sábado, 3 de dezembro de 2022

(RE)VISTO #102





















PATTI SMITH, LA POÉSIE DU PUNK 
de Sophie Peyrard e Anne Cutaia. França; Arte, 2021 
A vida intensa de Patti Smith já foi devidamente contada e escrita pela própria. Para quem leu a biografia "Just Kids" e lhe acrescentou o ensaio "M. Train", confirmou de forma evidente que informação documental sobre as circunstâncias do seu trajecto artístico aí confessadas se cruzaram realmente num labirinto íntimo, pessoal e emocional de indissociável dureza que não será fácil traduzir em imagens. Haverá, certamente, nesse complemento algumas virtudes que nos escapam - não vimos "Dream Life" de 2008 ou sequer o drama ficcionado "Mapplethorpe" de 2018 - atendendo à quantidade e qualidade do que foi revelado pela própria de forma tão clarividente. 

Contudo, esta figura já mítica da história do rock e da cultura ocidental continua a atrair atenções justificadas que insistem na (im)pertinência de lhe dedicarem projectos documentais. O que aqui trazemos e que foi projectado no Indie Lisboa de Abril passado é, pela sua coerência, de aconselhável visualização agora que está disponível em acesso facilitado, mesmo que não fosse difícil prever o que iríamos ver e ouvir. 

Aos vinte anos, chegada a Nova Iorque vinda de Nova Jérsia, a intenção era inequívoca - tornar-se um ser especial que sempre se distanciou, na infância, das rotinas de criança e que via nas manifestações artísticas e na sua prática e fruição o único, mas vibrante, ponto de fuga. As amizades, as referências, os amores, os sítios, as exposições, os livros, todos constam desta abordagem linear, ritmada e quase pedagógica: o Hotel Chelsea, Andy Wharhol, Sam Sheppard, o Restaurante Max, os Velvet Underground, o CBGB ou o padronizado modelo Bob Dylan. Patti atira-se de cabeça num mundo rodopiante e semi-explosivo a que a guerra do Vietman acendeu o rastilho mas também a um fogo interior de militância política e activismo social. No amor, contudo, as figuras de Mattlethorpe e Fred "Sonic" Smith deixariam doridas feridas... 

Alguma da raiva e excentricidade que o documento evidencia, e que a adesão ao movimento punk americano transformou em lendário, balançou sempre num imaginário de doçura ocupado pelo gosto e prazer pela fotografia e a imagem fotográfica que passariam a ser a sua paixão e continua expressão de alívio. Os discos, as exposições, os poemas, os concertos, passam a ser, então, como um todo omnipresente e inseparável que não mais deixou de plantar e cultivar, um raro (único) exemplo artístico contra-corrente, aberto, inclusivo e incisivo no feminino que, para além de moderno, se tornou imprescindível. Um grito de liberdade que deveria ser ouvido em todo o lado. Este filme, na sua ternura, dá-lhe um poderoso eco multiplicador! 

Disponível online no canal Arte até 23 de Dezembro. 

Exposição "Evidence" de Soundwalk Collective & Patti Smith 
para ver no Centre Pompidou Paris até 6 de Março de 2023.

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