domingo, 10 de maio de 2020
(RE)VISTO #77
ONDE ESTÁ VOCÊ, JOÃO GILBERTO?
de Georges Gachot. Suiça/Alemanha/França; Imovisom, 2018
TV Cine Edition, Portugal, 7 de Maio de 2020
Não é inédita a busca individual por músicos ou artistas em retiro ou em paradeiro incerto. A total surpresa do excelente documentário "À Procura de Sugar Man" de 2012 que nos deu a conhecer a história de Sixto Rodrigues ou até a ficção notável que Nick Hornby escreveu em "Juliet Nua", novela já levada para o cinema que traça a inventada história de um tal Tucker Crowe, são exemplos de uma obsessão que sugere aspirações e manias doentias mas que reforçam o poder e a virtude da música.
Quando em 2011 o alemão Marc Fisher publicou o livro "Hobálálá - Onde Está Você, João Gilberto?" como resultado de dez anos à procura de um encontro com João Gilberto, o pai da Bossa Nova, a história parecia acabar, sem êxito, por aí. Desde que ouviu a canção com mesmo nome, lançada no disco de estreia em 1957, em casa de um amigo japonês, o brilho dos olhos não mais parou de aumentar entre viagens e estadias prolongadas no Brasil, enrolando um emaranhado detectivesco de contactos e diligências no terreno, isto é, do Rio de Janeiro a Diamantina, envolvendo proximidades cúmplices como Miucha, a esposa do próprio Gilberto, João Donato, Marcos Valle, gráficos responsáveis pelas capas originais dos discos ou até imitadores oficiais do cantor e o barbeiro particular... Tudo devidamente fotografado, filmado e documentado, incluindo estadias nos mesmos quartos de hotéis ou pensões como a que em Diamantina mantêm a casa de banho onde Gilberto ensaiou, supostamente, os seus primeiros temas e que se tornou num mito antigo que assegura que "a bossa nova começou num banheiro". Nada! Fisher nunca pôs as vistas em Gilberto e a sua misteriosa morte pouco tempo depois da publicação do livro impediu, para sempre, a concretização do sonho - ouvi-lo cantar só para si a tal "Hobálála".
Quase paralelamente e sem saber da história do esforçado e malogrado alemão, um outro apaixonado pela música brasileira tentava o mesmo desígnio - o francês Georges Gachot ao aperceber-se do livro então publicado e da morte do seu autor, contactou a família que lhe entregou fielmente a montanha documental referida. Estava, assim, traçado o guião para o filme que estreou um ano antes da morte de Gilberto mas só chegaria às salas portuguesas em Agosto 2019. As pistas perseguidas por Gachot, uma a uma, desfilam em puzzle numa narração estranha, cativante e bem humorada em alemão mesclada com o francês e o português mas o destino, cedo nos apercebemos, começa a repetir-se numa impossibilidade quase maldita e sombria que, se dizia, rodeava o mestre e a sua vida escondida. Pode não ficar-se a saber muito mais sobre o artista e a sua incomensurável obra mas o filme serve, acima de tudo, de catalisador gostoso e ternurento para um fortalecimento robusto da paixão pela sua música "até o apagar da velha chama"...
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