Ao Vivo no Japão/ Live In Tokyo
de Yutaro Mimuro. Japão; Promax/Road And Sky Music, 2019
RTP2, Portugal, 3 de Janeiro de 2022
Como muitos, suspiramos durante largo tempo a comparecer num concerto de João Gilberto. A anunciada vinda em 2003, a segunda tendo em conta a estreia em 1984 no Coliseu de Lisboa, ainda nos fez respirar mais depressa mas o cancelamento em duplicado deitou definitivamente por terra a aspiração antiga. Restava ouvir os discos e esperar que o único e oficialmente aprovado registo de um concerto seu fosse publicado, o que só viria a acontecer dois meses antes da sua morte em Julho de 2019. Editada, controlada, inspecionada e vigiada ao longo de uma dúzia de anos, trata-se de uma selecção de canções referentes à sua passagem nos dias 8 e 9 de Novembro de 2006 pelo Tokyo International Hall no Japão que o próprio considerou imperfeita, adiando a divulgação até ao limite.
De gravata e fato, óculos na ponta do nariz, barbeado liso e um pequeno estrado para pousar os pés, os protagonistas cenográficos são a dupla de microfones imóveis na captação das cordas, as vocais e as de nylon (?), e o velho violão Di Giorgio. As câmaras aproximam-se amplamente na focagem dos acordes, das mão trémulas mas seguras na experiência de 75 anos ou no quase sussurro do cantar. Não há, obviamente, conversa nem agradecimentos, introduções ou explicações. Sucedem-se vinte canções, vinte monumentos de olhos fechados, algum suor na face mas o copo e garrafa de água pousados ao lado parecem intocados.
O samba revisto e melhorado pela bossa nova de que Gilberto é patriarca consagrado na "batida do violão" e que se espalhou rapidamente mundo fora, provoca ainda e sempre calafrios na sua leveza e distinção. Os aplausos fortes são de uma misteriosa e rendida plateia asiática que não entendia uma única das palavras mas que desde 2003, ano de estreia ao vivo no país, Gilberto assumia como perfeita, repetindo visitas e permitindo até a edição de um disco ao vivo lançado pela Verve em 2004, uma rareza atendendo à distância e frieza da sua personalidade.
Esse reconhecimento, mesmo esquecendo os reparos que Gilberto sempre fez às condições acústicas das salas ou aos inadequados calibres técnicos, nota-se bem ao longo do filme. Não se ouve um tossir, um grito ou um outro qualquer ruído a incomodar o silêncio. Mesmo um leve bater palmas, quando se reconhece o início da canção, é fugaz na sua duração para que nada se perca. A ocasião é, nota-se, nobre no desfilar de muitos êxitos de autores e amigos como Jobim, Ary Barroso, Caymmi ou Vinicius de Moraes mesmo que tocados à sua maneira quase desconcertante - "Águas de Março" é o perfeito exemplo deste saboroso dislate e o leve sorriso, quase gargalhada, no final de "Pato", por truncagem inadvertida da letra, é o testemunho inocente da satisfação e do prazer com que estava ali.
A vénia cortês de olhos fechados antes de regressar para o encore é, por isso, sincera. O violão, que não largou nem deixou sozinho em palco, é o velho companheiro indispensável para mais uma notável sequência com "Meditação" e o inevitável "Garota de Ipanema". De permeio, "Bim Bom", o único original eleito no alinhamento, e "Chega de Saudade" de uma genialidade e leveza inimitável. Isto (sim) é bossa nova, isto é muito natural, mestre!
Este documento foi projectado em salas de cinema japonesas ao longo de uma semana de Março de 2019 e só depois foi comercializado no país de forma limitada em blue-ray com uma exclusiva embalagem de tecido, um toque de proximidade e respeito que o cobre como um tesouro. É isso que ele é e para sempre será!
(disponível na RTP Play)
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