Grândola Vila Morena / É Preciso Dividir o Pão
Moçambique: E.S.R. 008, 45 rpm, s/d
Já há uns anos, num sábado de manhã pela Feira da Vandoma, a antiga, a das Fontainhas, uma imagem marcante e vistosa chamou-nos atenção numa montanha de singles de música popular portuguesa com incidência no fado. Rapidamente na mão, só quando viramos a capa deparamos com alguns dos pormenores estranhos - uma versão de "Grândola Vila Morena" de José Afonso a cargo de Emílio dos Santos com edição em Lourenço Marques, Moçambique! A editora, a ESR, era também um nome por nós desconhecido a que se juntava um "É Preciso Dividir o Pão" no lado B. Compra feita e já em casa, tratamos de ouvir o seu conteúdo com o propósito de lhe fazer a história possível mas, tal como tantos outros singles da colecção, a pretensão ficou para as calendas gregas. Chegou hoje o melhor dia, inicial e limpo, para lhe fazer justiça.
A biografia de Emílio dos Santos foi, ao de leve, contada no blog Penafiel Terra Nossa em 2011 mas desde aí, na consulta exaustiva que fizemos, não se conhecem mais pormenores. Nascido em Vila Nova de Fôz Coa (1941), imigrou para Penafiel (1957) onde começou a dar nas vistas nas cantorias e rábulas e, rapidamente, se fixou no Porto nos anos sessenta. O "Foz Côa", como era apelidado, tornou-se profissional já depois de gravar um primeiro disco com o maestro Resende Dias. Seguiram-se, aparentemente, novas aventuras por Lisboa e África e o posterior regresso a Penafiel como empresário do som e da música. Na contracapa, que acima se reproduz, surge uma fotografia de uma sua actuação no que parece ser um casino ou festa de gala acompanhada por um conjunto de quatro músicos.
A sigla ESR, que deverá ser um acrónimo de Emílio Santos Records, não teve muitos discos editados (este é o número 8) mas há pelo menos três singles e um álbum com sede Moçambique e, supostamente, em Lourenço Marques por volta de 1974. Deverá ter sido o selo que o cantor por lá fundou para se lançar no negócio de cariz popular onde se inclui um tema de homenagem à terra natal. Não existem no seu reportório outras versões de teor político ou de intervenção como as que fazem parte desta rodela pequena, sem referências, contudo, ao autor do desenho/design ou ao estúdio de gravação, apesar da nomeação do técnico de som (Ricardo Branco) e dos arranjos e direcção musical (Tony Viana), coautor com José Vigário S. Silva da canção "É Preciso Dividir o Pão". Da data correcta, propósitos e circunstâncias desta gravação, não são conhecidos mais pormenores, não existindo até hoje a reprodução dos seus dois temas em nenhum formato digital. Vamos lá, então, pôr o disco a rodar, mesmo que as suas condições de conservação e reprodução não sejam as ideais.
A versão de José Afonso, longe da sumptuosidade e cadência orquestral com que, por exemplo, Amália Rodrigues se aventurou pela mesma época, é uma boa surpresa muito à custa de um riff curioso de uma só guitarra e de um tambor seco para substituir aquele mítico e original arrastar dos pés na gravilha, transparecendo mais descomprometida e informal mas de captação rudimentar e de recursos, notoriamente, limitados. No lado B, a canção "É Preciso Dividir o Pão" junta-se a tantas outras que floresceram numa onda cantada pelos chamados "baladeiros da revolução" sobre a urgência de justiça e igualdade que, neste caso, nos parece de sincera acutilância e natural ingenuidade atendendo aos tempos de esperança que se deveriam, então, viver. Singulares, contudo, os já significativos "remoques" dirigidos aos políticos que a lírica comporta - por exemplo, "mandar não custa se a miséria impera" ou "é preciso avisar toda gente, é preciso estender a cultura"... Nem mais!
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