Vinte anos depois, foi marcada uma digressão celebratória pela Europa onde Gibbs se junta a Pallett na interpretação das velhas canções mas também no arriscar de temas entretanto compostos para um novo álbum dos Hidden Cameras. Irrequieto, gozão, desafiador e de guitarra em punho, Gibbs logo tratou sozinho de lançar o serão num rodopio constante de animação quer pelo bombar do bombo ou dos loops quer, acima de tudo, pela energia das vocalizações de insistente e variada robustez. As prometidas lições de português, praticadas ao de leve, foram substituídas por uma interatividade performativa com o público, invariavelmente, galhofenta.
Na ajuda e partilha preciosa, esteve um Pallett, ainda e sempre, contido na comunicação mas bem disposto - as tiradas em português sobre camarões e bifes motivaram gargalhada colectiva - e decisivo na moldagem crescente de alguns dos temas e na sua efectiva eficácia. Quando já depois da sua actuação solitária, os dois se voltaram a reunir para encerrar o espectáculo, foi com "Shame", canção chave do referido disco, que uma cumplicidade e amizade submergiu ainda mais reforçada e que só pela música transparece de forma tão natural.
Passaram doze anos sobre o concerto de Owen Pallett em Aveiro, uma noite esgotada e memorável e a última das visitas do canadiano pelas redondezas já depois da mudança forçada do cognome de Final Fantasy. De volta, o momento serviu para assinalar a reedição dos dois discos desses tempos de alusão ao jogo-video e confirmar a validade reluzente das suas canções, traduzida no forte aplauso logo no final do primeiro tema ("This Lamb Sells Condos"), uma luminosidade que nunca mais se dissipou durante o serão.
Sem pânicos e sobressaltos, receios que combate, como se ouviu, com a reprodução prévia de cantos de aves, será compreensível alguma insegurança atendendo à complexidade da composição onde o violino se impõe, notável, num jogo de sobreposições e camadas mas que, mesmo assim, não impediu que fosse a sua voz de reconhecível timbre a preencher de beleza a totalidade da sala. Mesmo à guitarra, em dois dos temas do último disco "Island" (2020), foi na mesma essa transcendência vocal que se elevou em "Lewis Gets Fucked Into Space" e "Fire-Mare" a um nível marcante e de forma a vincar as líricas incisivas e cortantes (o tal disco é, nas suas palavras, um bom presente para inimigos).
Mesmo que solitário, mesmo que prudente, Pallett permanece inigualável numa expressão sonora intemporal que junta classicismo e arrojo modernista e de que "E Is for Estranged" e, principalmente, "Lewis Takes Off His Shirt" com que terminou o set, se continuam a mostrar de extra-ordinária sedução e encantamento. A sublime fantasia ao vivo, que aqui na casa foi o primeiro dos concertos a ser (mal) relatado, está por isso longe de estar terminada... Ainda bem!
Sem comentários:
Enviar um comentário