Não Houve Geração Mais Rica do Que a Nossa
Diálogo com José Jorge Letria
de José Jorge Letria. Lisboa; o fio da memória-SPA/Guerra & Paz, 2019
No âmbito da oportuna colecção "o fio da memória" promovida pela SPA-Sociedade Portuguesa de Autores, repositório informal da vida de personalidades da área da cultura e arte já com quase uma vintena de volumes publicados, coube a Fernando Tordo o privilégio de se sentar à conversa com José Jorge Letria num género de entrevista biográfica entre amigos.
Os dois pertencem a uma geração marcante para a música portuguesa que viveu a transição da ditadura para a democracia de forma intensa e até militante mas em que o fascínio pelas canções começou cedo e se tornou o fermento cúmplice de crescimento. No caso, uma primeira e estranha guitarra vinda da Madeira foi o rastilho para uma aprendizagem mais metódica que levariam Tordo, entre tantas histórias contadas na primeira pessoa, a fazer parte dos adorados Sheiks em bolandas por Albufeira, "centro da Europa", entre figurões como Tom Jones, Cilla Black ou metade dos heróis Shadows. Uma "má vida" salutar!
O encontro com Ary dos Santos seria vital para o reconhecimento (inter)nacional, parceria que deu tantas canções a um imaginário lusitano sem idade e que teve em "Tourada", canção com cinquenta anos feitos em Fevereiro passado, um epicentro memorável. Não se perde muito tempo na descrição dessa mítica história de Festival da Canção mas já antes "Cavalo à Solta" se mostraria, na mesma em ambiente festivaleiro, o espelho cimeiro duma colaboração que se alongou até aos finais dos anos setenta para depois se romper de forma natural. Foi já sozinho que escreveu e musicou com José Calvário um dos seus maiores êxitos - "Adeus Tristeza" ainda é hoje a imagem de um artista em liberdade e completo.
Polémicas à parte, há por aqui algumas revelações sobre dependência, conveniência e desilusões com amigos, colegas de profissão e, sobretudo, políticos que lhe mereceram, mesmo assim, elevado reconhecimento como ilustram as muitas das fotografias reproduzidas ao longo do livro e que teve recente condecoração de reforço ao lado do compagnon Paulo de Carvalho.
Na troca de impressões relatadas transparece uma informalidade só possível pela distância temporal de muitos dos acontecimentos e factos embora o polémico e badalado abandono do país em 2014 mereça insistência nas razões políticas e sociais, uma zanga de notório azedume que multiplicou reacções de aprovação e ódio mas não desmotivou a criação e a constante inquietude. Musicar o poeta António Botto, intento ainda não concretizado, ou um disco de duetos com a colaboração e carinho de vários colegas e amigos, são só dois desses projectos de uma vida retomada num país respirável e que a Tordo deve gratidão e aplauso. O seu futuro há-de ser o que ele quiser...
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