O festival principal da cidade aproximou-se perigosamente da Circunvalação como comprova a imagem de cima. Onde habitualmente haveria arvoredo e céu como pano de fundo, temos agora também janelas e varandas cimentadas. Aproximou-se, ainda, de uma indefinição estratégica quanto aos seus conteúdos, aposta propositada de forma a alargar-se a todas as gerações, tendências ou géneros mas, acima de tudo, de públicos. Vale tudo, como se fez já notar desde há meia dúzia de edições atrás com todas vantagens e desvantagens implícitas. Vamos lá então mergulhar na incerteza.
A Georgia Barnes saiu-lhe a sorte grande. Abrir o (antigo) palco maior perante uma fresquinha massa humana já considerável é, certamente, desafiante e motivador e não admira a energia aplicada na percussão de uma invejável bateria eighties, nos rodopios ou nos incentivos. Pena que a pastilha elástica musical perca o sabor de forma tão rápida e pegajosa e que nem uma boa versão de "Running Up That Hill" escolhida para o final conseguiu disfarçar. Mesmo assim, o "let's party" prometido foi para alguns, poucos, indesmentível.
Grande coincidência! Alison Goldfrapp esteve no Coliseu do Porto no dia 7 de Junho mas de 2003 e, vinte anos depois, o regresso confirmou a tendência que nessa altura se tornava aparente - uma opção eléctrica de estética invertida ao disco etéreo de estreia chamado "Felt Mountain" (2000) e a que não mais voltou na subtileza. Foi, por isso, com alguns dos hits de uma carreira carregada de electrónica ao lado de Will Gregory, parceria que rompeu na estreia a solo em 2023 com "The Love Invention", que o concerto se fez de uma tensão charmosa de evidente competência que as lantejoulas azuis do traje reflectiram em pompa e muita classe.
A noite rapper tinha aquecimento agendado. Coube a Baby Keem ligar a máquina gímnica engajadora de fraseados a preceito e na qual bitch, mother fu++++ ou nigga se multiplicaram em catadupas de incontornável adesão e discursos/canções de curta duração. A resposta foi imediata e colectiva. O instrutor principal Lamar, com horário madrugador assegurado, ficou de certeza orgulhoso do pupilo. Para nós, a aula apesar de facultativa, de pouco serviu e o esforço não precisava de banho mas o chuveiro, vindo do céu, abriu-se e não mais parou...
Três anos depois, o cometa voltou a passar pelo Porto depois de uma aparição mais a norte (Coura) no verão passado. Os The Comet Is Coming em todas estas investidas não deixaram terra por queimar na sua intensidade desmedida obtida da inusitada mistura de um saxofone superlativo a que se juntam camadas de percussão e samples voadores. Desta vez, contudo, a viagem contou com fustigante chuvada contínua que não afastou uma considerável multidão nada preocupada com a molha desde que ela fosse energética e frenética. Inesquecível e abençoado!
Em 2014, Kendrick Lamar passou pelo Parque da Cidade para uma legião, já então, ferrenha. Prometeu voltar. Promessa cumprida, o empenho e adesão do público multiplicaram-se na dimensão e na partilha que nem a chuva impediu de ondular, cantar e vibrar a dobrar. A partir do palco, sozinho ou na companhia de alguns personagens/dançarinos para coreografias a lembrar as que Solange trouxe ao mesmo festival, o resultado foi o mesmo - festa e muita vibe. Um artista fino!
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