NICK DRAKE'S RIVER MAN - A Very British Masterpiece
de Jochen Markhorst. França, Amazon, 2023
Em final de mês comemorativo das setenta e cinco primaveras de Nick Drake, acrescentam-se cada vez mais livros e recensões sobre a sua vida e as suas canções. Entre as novidades, esta é uma das boas surpresas surgidas, não tanto pela dimensão da abordagem mas sim pelo seu evidente, mesmo que ligeiro, academismo concentrada numa só canção, a tal obra prima chamada “River Man”, sistematização e método que o autor e professor holandês aplicou já mais de uma dezena de vezes a temas de Bob Dylan.
Um detalhe da pintura “The Fringe of the River” de 1894 do paisagista John Clayton Adams (Inglaterra, 1840-1906) foi escolhida intencionalmente para a capa, a única imagem colorida de uma edição pobre, descuidada e, possivelmente, reduzida, atendendo a que o formato digital Kindle parece ser o preferencial para evitar sobrepor custos. É dela que emerge um Drake desfocado e, hellas, cabisbaixo, como que abandonando um cenário natural de luz, nuvens, árvores, folhas ou água, onde, desde sempre, embebeu perfumada inspiração para as suas canções. “River Man” é, claro, o perfeito exemplo desse idílico romantismo, dessa englishness já retratada noutras publicações, por sinal, também académicas, mas que esconde intrincados mistérios e enigmas requisitantes de contínua pesquisa, análise comparada e dedicação prazerosa.
As cem páginas do seu conteúdo afiguram-se, pois, de uma preciosidade e validade imediatas. A composição musical, o seu formato e construção são motivo de um enfoque inicial nas comparações e influências que tanto nos remetem para Dave Brubeck e “Take Five” como para Harry Robinson e “Song of Summer”, ele que viria a ser o orquestrador inesperado de “River Man”, um acaso único que tem explicações (p. ex. Delius), factos e histórias saborosas e que alguém (Richard Thompson) definiu como sendo bem melhor que “Eleanor Rigby”, jóia quase sempre classificada como o tema cimeiro da orquestração pop. Talvez já tivéssemos deparado com alguma desta interessante informação em tantas das leituras que, viciosamente, vamos fazendo sobre Drake mas há por aqui uma síntese quase científica dos porquês e das razões do que se pode ouvir na canção, o que torna o momento numa paisagem sonora de dimensão, talvez, inigualável.
Não admira que sejam já mais de oitenta as versões que o tema recebeu de artistas tão diversos como Paul Weller, Chrissie Hynde, Mathilde Santing ou do mágico Brad Mehldau, sobressaindo notas sobre muitas mais de preferência/estranheza assumida como a da brasileira Beatrice Mason ou da espanhola Susana Raya que, corajosa, traduziu inclusive a letra para castelhano, renomeando como Silvia a Betty original para acentuar o “Iberian melodrama” (sic). Talvez não conheça a que portuguesa Marta Hugon gravou em 2008.
É ela, a tal Betty, que dá início a uma lírica, por si só, de um dourado literário que brilha na melodia de forma misteriosa e sublime. Afinal, de quem se trata? Quem é o river man? O que têm a dizer um ao outro sobre o lilac time? No capítulo maior do livro está, então, um substancial manancial de conexões e aforismos que acentuam a formação literária e até filosófica de um Drake emaranhado em subtilezas, como sempre, de difícil explicação mas em que Markhorst se afunda, consistente e magistral, nas respostas - Rimbaud, Nina Simone, Hermann Hesse, Colin Blunstone, Dante, The Beatles ou Jacques Tati são só alguns dos nomes desalinhados mas, afinal, condutores em que o mergulho se fortifica, estrofe a estrofe, verso a verso, num esforço sem pretensões definitivas mas de hipóteses inteligentes onde tanto se pode, livremente, metaforizar sobre droga, amor ou morte.
Como em qualquer obra prima, haverá sempre uma qualquer dúvida que lhe acrescenta magia, grandeza e perfeição. Ouçámo-la, por isso, vezes sem fim. São “só” quatro minutos e vinte e poucos segundos de eterno prazer…
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