domingo, 9 de junho de 2024

ANA LUA CAIANO+ROYEL OTIS+BLONDE REDHEAD+AMYL AND THE SNIFFERS+PJ HARVEY+MITSKI+OBONGIAYAR+AMERICAN FOOTBALL, Primavera Sound Porto, 6 de Junho de 2024

















À jovem Ana Lua Caiano tudo correu na perfeição - plateia envolvida e de braços abertos à sua música electro-popular onde os loops levam também com o bombo e o adufe como em mais nenhuma parte do mundo. Na construção de uma receita de raízes autóctones. é a sua auto-suficiência que surpreende pelo risco, pelo inusitado e pela novidade. Quase envergonhada com o tamanho do apoio e do suporte, não deverá ser difícil prever que esta lua vai crescer, rapidamente, até à lua cheia e brilhante!   


De fenómeno do instagram para um palco principal de festival grande, aos Royel Otis também não faltou sorte. Com um público fronteiro já bem conhecedor das canções, a frescura deste indie pop australiano, descontraído e em jeito de boas vindas, espalhou-se colina acima e abaixo de forma festiva e dançarina. Não faltou a cover de "Murder on the Dancefloor", a tal que os catapultou nas redes e na rodagem de palcos, a motivar alargada pista de dança relvada. Podemos não ouvir mais falar deles, certo é que, pelo menos uma vez, compareceram na hora e no local certos... Fucking lindo!


Lembramos bem os Blonde Redhead numa primeira parte dos Interpol. Já lá vão muitos anos, demasiados anos. Soube, na altura, a pouco e talvez a vinda ao Porto servisse de retoma, mesmo que imprevisível, a um fino cordão de pop sonhador engrossado pelo recente e bom disco "Sit Down for Dinner". A expectativa não saiu completamente defraudada, mas o trio formado pelos gémeos Pace e Kazu Makino não se mostrou capaz de descolar de algum anacronismo embora o alinhamento se tenha revelado fermentado por uma crescente dose de tensão e nostalgia de quantidade e qualidade suficientes. Um novo exame, em nome próprio e na penumbra de uma sala, deveria estar já marcado.


Punk rock! Dito assim e nos dias de hoje, a cartilha do género, que já foi reescrita tantas vezes, pode fazer brotar alergias e constipações inesperadas mas elas não vêm, de certeza, da Austrália. A boa vacina foi-nos dada por Amyl and the Shiffers, uma daquelas picas que provoca reacções benéficas desde que seja aplicada pela enfermeira Amy Taylor de forma mais que testada - gritos, piruetas, bocas ou provocações deste calibre nunca fizeram, nem nunca farão, mal a ninguém. Arre!


De todas as PJ Harvey a que já assistimos, e foram já uma mão cheia, a versão magnífica que pairou sobre o Parque da Cidade foi a mais sublime. Quatro músicos enormes, som perfeito, apesar de alguns estranhos constrangimentos na ligação da guitarra, e um alinhamento imparável, ajudaram e ondularam o concerto a um género de tributo involuntário à mestria e genialidade de uma artista que se eleva, pela classe, a um olimpo exclusivo. Tudo de um bom gosto, tudo de um fineza, tudo de uma imaculabilidade de apuramento inesquecível e, arriscámos, imbatível.


Da jovem Mitski de guitarra eléctrica em punho que nos visitou em 2017 no mesmo local já pouco resta. A pequena nipo-americana agigantou-se num fenómeno artístico surpreendente que se alargou a públicos jovens e jovens adultos, paixão que bem se notou na gritaria instalada a cada início ou termino das canções. Houve razões bem suficientes para o chinfrim, ora não fosse Mitski uma cantora e compositora de eleição que se estende também, pelo corpo, a uma acrobata ou performer distintas. A uma sincronia, teatralidade e até dramatismo, juntou-se um notável jogo de luzes e de truques cenográficos que fizeram do concerto um espectáculo arrojado e de misteriosa maravilha pop. Cintilante!            


Ao nigeriano Steven Umoh aka Obongiayar coube prestar alternativa ao palco principal do festival. A tarefa teve adesão considerável e Umoh aproveitou a dádiva para entrar em modo de corrupio continuo, soltando discursos e cantorias num enroquecimento talvez natural mas exagerado. Notou-se que há, por ali, ainda muito afrobeat e dark soul para diluir, nada que tenha impedido forte adesão mas uma leve sensação de incompreensão...   


A onda de emo revival tem tanto de inofensivo como de irritante. No caso dos American Football, o tamanho e curva da agitação cresceu pouco, uma dimensão mediana que alguns dos adeptos ferrenhos presentes, certamente, classificaram como suprema. A nós, novatos nestes correntes e agueiros, fez-nos boa impressão as excelentes imagens diurnas e nocturnas, em movimento lento, de uma casa branca americana que serviu de fundo do concerto, um género de distracção cenográfica que, mesmo assim, não serviu para nos levar a mergulhar de cabeça. Molhámos os pés e chegou!


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