Para sobrepor a tamanha instrumentação escolhem-se, por vezes, histórias e temáticas inofensivas como o namoro, a praxe ou o tempo mas vincam-se propositadamente aforismos ou metáforas urgentes sobre a injustiça, a pobreza ou a ganância sem fim. Pelas vozes tão diferentes mas envolventes de Edgar Valente e Gil Dionísio, o verdadeiro líder por aclamação, a estreia nada inocente de sábado à noite no principal e cimeiro espaço de concertos portuense teve na plateia sentada um plenário de todas as idades interessado na provocação em formato cantado. O guião da assembleia assentou em "Bem Bonda", segundo disco editado este ano que tem no título uma curiosa expressão beirã de variado significado mas que ali reforça a intensidade de um grito incontido - "já chega"!
Para ajudar no engrossar do eco esteve o Coro dos Anjos, ele próprio presente no registo original ocorrido em 2019 e 2020, e no qual se unem jovens activistas convictos da necessidade da acção artística como forma de bater o pé. Pena que o conforto das cadeiras tenha funcionado como inibidor de uma libertação implícita a algumas das peças apresentadas - "A Noiva" ou "A Festa do Medo do Gaiteiro", por exemplo - mas que, mesmo assim, não impediu redobrada força nos aplausos ou repetidas e impulsivas ovações em (bater o) pé. Alguém ainda bradou "bem bonda estar sentado" mas só à última se esqueceram os assentos ou licenças.
Tivemos, pois, uma endiabrada Criatura agigantada pela proximidade e entusiasmo proporcionados por uma música que é tão nossa como de ninguém mas que nos reboca para uma urgência comum em trilhar outros caminhos solidários e de mudança. Mesmo que momentâneas, que as quase duas horas do encontro sirvam para lembrar que o tal "acordar" interventivo pode e deve começar numa sala de concertos com direito, neste caso, a prolongamento espontâneo no exterior já com a porta da Casa devidamente corrida. Como sentenciado por VHMãe: "Que filha da mãe de colectivo brilhante."!
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