segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

RE(VISTO) #91





















LAUREL CANYON - A PLACE IN TIME
 
de Alison Ellwood. E.U.A.: MGM/Warner Brothers, 2020 
TvCine Edition, Portugal, 8 de Dezembro de 2021 
A concentração de famosos nas colinas de Hollywood tem numa das suas ruas principais uma referência obrigatória - o nome de Laurel Canyon, que atravessa o desfiladeiro num ziguezague de rochedos e arvoredos, deu já origem a filmes e ficções sem interesse mas a estreia o ano passado de um documentário sobre o local na vertente da música veio, por fim, fazer jus ao mito. 

Nunca vimos um documento sobre música popular em que se misturem de uma assentada tantos artistas ou bandas. Passaram cinco minutos e já nos pareceu ouvir canções e registos dos Byrds, dos Doors, dos Turtles, dos Monkees ou Frank Zappa e até de Arthur Lee e os seus magistrais Love. Tudo num abrir e fechar de olhos que obriga a concentração nas belas imagens da época, muitas delas inéditas, situadas entre 1965 e 1975, captadas por amigos ou os próprios dotados de máquinas de filmar e fotografar em casas, bungalows, piscinas ou clubes das redondezas citadinas durante festas, encontros ou ensaios. Um género de bairro de artistas da canção interessados em aprender e evoluir pela partilha de experiências e em que o êxito de uns era o de todos. Uma bolha de isolamento, como várias vezes reforçado, em relação ao que os rodeava ou se anunciava que podia acontecer atendendo à efervescente situação sociopolítica dos EUA. No entanto, as canções como as The Mamas & The Papas, continuavam a ver o mundo cor-de-rosa pela asa protectora e agregadora de Cass Elliot, um género de madrinha da comunidade. 

O alarme é dado pelos Buffalo Springfiled com "For What It's Worth" de um Stephan Stills inquieto e determinante no abanar do bem-bom estabelecido tamanha era a onda de contestação à presença no Vietnam, ao engrandecer infindável do racismo ou do desemprego. O movimento hippie e Woodstock, que o festival Monterey Pop antecipou, alteram a necessidade de intervenção, de fazer da música o "motor da mudança" que se tornaria abrangente e quase obrigatória mas que não tirou charme a Laurel Canyon como reduto inspirador mas também multiplicador de casos amorosos, zangas e traições. Chega a vez de Johnny Mitchell, linda e jovem, ofuscar no seu folk tardio produzido por David Crosby e na presença de estranhos ingleses como Eric Clapton ou Graham Nash. Aqui, o filme dá-lhe um destaque curioso que serve para, ao de leve, introduzir a chegada e atracção pelo consumo de erva como forma de aprendizagem e experiência, um trilho perigoso e duro que teve nos harmoniosos Crosby, Still, Nash & Young o perfeito exemplo da montanha que sobe mas também desce.

 

Estamos já nos anos setenta e ao local chegam novos aspirantes ao sucesso que cultura hippie mitificou e atraiu - Gram Parsons ou os The Flying Burrito Brothers arriscam na alternativa, no assumir de influências de um country-rock que os Eagles, outros figurões, haveriam de endeusar pela mão de Linda Ronstad. As canções, essas, continuariam em muitos casos a ser eternas como "These Days" de Jackson Brown ou "Our House" de uns CSNY em desagregação mas a cantar coisas simples e ternas como flores, gatos e jardins... A nuvem negra de Charles Manson haveria de inverter o jogo de ser hippie com Jaguares na garagem, partida que os Rolling Stones não se importaram de desafiar às escuras em Altamont. Los Angeles assusta-se mas não a tempo da chegada da maldita cocaína e da desistência fatal de Jim Morrison. O aparente fascínio de um Laurel Canyon intocável permanecerá sublime na geografia mas já esbatido no seu bondoso encanto aurífico. 

Com vários consultores de nomeada mas onde se destaca Barney Hoskins, uma verdadeira enciclopédia da cultura pop, estas são quase três horas de aula em duas partes sem toque de saída mas de sumário intrincado e longo sobre uma década para sempre determinante na história da música e da sociedade e que serve, no limite, para conhecer melhor bandas e artistas que desprezamos ou ignoramos mas que permite múltiplos e saborosos recostos no sofá a cantarolar matérias/canções ainda hoje fundamentais. Um regalo!  


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