sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

(RE)VISTO #92





















PHIL MENDRIX 
de Paulo Abreu. 
Portugal, Bando À Parte/Daltonic Brothers/RTP, 2015 
TVCine Edition, Portugal, (arquivo) 
O nome de Filipe Mendes reporta-nos, sem o sabermos na altura, à nossa juventude e ao saudoso amigo Cardoso do Liceu Rainha Santa Isabel. Era ele que trazia para a velha sala de aula as mais inusitadas canções e vinis como um dos Roxigénio que pôs a rodar aos berros. "Eh pá, este guitarrista é maluco" gritava ele eufórico mas, sinceramente, não foi das bandas a que demos atenção embora a parelha compositora, o vocalista António Garcez e o tal guitarrista, tivesse já uma fama crescente. Para trás, contudo, havia uma história escondida a merecer ser contada com dignidade e apego. 

Nascido em Moçambique, o miúdo Filipe receberia de presente uma guitarra portuguesa a que, num instante, trocou as voltas, acordes e dedilhados para não mais parar na dedicação e mania. Seguiu-se uma consequente e inseparável versão eléctrica e a junção a parceiros instrumentais tão em voga com a chegada do chamado Ié-Ié. Nasciam os Chinchilas com assinalável êxito, aparições na televisão e até digressões e aventuras por Espanha já depois do regresso familiar à metrópole. A extravagância visível no tamanho da cabeleira e na estridência das cordas psicadélicas que os anos setenta aportaram teve ainda mais impacto com um inesperado Bentley como prenda de casamento, posteriormente trocado em Inglaterra por uma Ford Transit para carregar colunas e restante aparelhagens, contribuindo para o engrossar o mito. 

Ao volante do carro, óculos escuros e pele bronzeada, o próprio faz o relato desses tempos exagerados que o levou a uma surdez precoce a que o Exército não deu importância desde que o cabelo se fizesse encurtar de forma irreconhecível. Uma cabeleira materna haveria de disfarçar o tamanho, mantendo a figura em cima do palco. Com o 25 de Abril apostou-se na chamada improvisação, na contínua "colaboração" colectiva mas Mendes queria consistência e algum método alcançado com os referidos Roxigénio, mesmo que a vocalização em inglês tenha sempre, como reconhecido, apartado a banda do chamado fenómeno de "rock português" que os anos oitenta fizeram explodir. Vítor Rua nos então GNR foi dos poucos, nessa altura, a reconhecer-lhe o talento. Desiludido, abandonou o grupo e rumou para o Brasil. 

As imagens e testemunhos de Florestal em Minas Gerais são uma das surpresas saborosas do filme, com relatos de concertos iluminados pelo luar e bailaricos promovidos pelo "guitarrista português" onde compareciam famílias numerosas, incluindo a do próprio já com cinco filhos. O apelo da natureza e da alimentação saudável haveriam de deixar marcas mas era, ainda e sempre, a guitarra o soro fortificado de vida que o regresso a Portugal ambicionava retomar. A reforma dos Roxigénio, as colaborações com os Telectu, os Irmãos Catita e os Enapa 2000 somaram créditos e exclamações que o epíteto de Phil Mendrix, ou seja, o Jimi Hendrix tuga que Manuel João Vieira confirma como óbvio, tornou lendário e respeitado. 

A guitarra original afagada e limpa pelas suas mãos para as últimas sessões com uns Chichilas refeitos ou um último single em nome próprio, está agora eternamente evocada num memorial em Lisboa depois da sua morte em 2018 mas a lenda, que o amigo Cardoso cedo adivinhou, tem neste documentário um carimbo de obrigatório e transmissível. Hey Phil!    


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