sábado, 26 de agosto de 2023

LEE FIELDS+YIN YIN+SLEAFORD MODS+CRACK CLOUD+LES SAVY FAV+WILCO+LORDE, Festival Paredes de Coura, 19 de Agosto de 2023

Abram alas para Lee Fields, um dos últimos descendentes de uma linhagem genuína de soul e funk que o eleva agora, depois dos saudosos e eternos Charles Bradley (que esteve em Coura em 2015) e Sharon Jones, ao cume do reinado. Bem disposto e em excelente forma, Fields teve nos The Expressions um quinteto de tradição clássica que, desde logo, não enganou ninguém no travo de subtileza e qualidade que a aquela voz vintage requisita e que a dupla de metais foi complementando com pinta. Depois houve o mestre de cerimónia Joe Crispiano, guitarrista dos The Dap-Kings e de muitos outros projectos similares, que acrescentou ao groove da linha de baixo um apreciável ritmo particularmente vibrante no final "Money Is King", uma arrasadora bofetada de ritmo até às entranhas. Are You Happy? YEAHHHH... mas isto de filmar e dançar com esta cadência já não é para nós!

 

Os Yin Yin juntaram-se na Holanda mas na sua origem estão músicos de França, Myanmar e outros países o que resulta numa enfusão curiosa de ritmos e batidas, desde o disco ou psicadelismo, tudo num jogo instrumental irresistivel que colocou em polvorosa a tenda do palco mais pequeno. A atmosfera dançável, mesmo em horário diurno, foi-se espalhando sem freio,e que um "Kill Bill" tarantinesco engrossou ainda mais na festança. Houve direito a coreografia colectiva e um abanão chamado "Dis kô dis kõ" a la Moroder ou Bee Gees que, deixado para o fim, transformou o recinto numa saudosa matinée de discoteca!

 

A presença dos Sleaford Mods no palco principal, perante uma já considerável moldura humana, não teve adesão efusiva. Pelo forte minimalismo do ritmo, pelo absurdo da dança apalhaçada de Andrew Fearn em deambulação traseiras, o spoken word abrasivo de Jason Williamson até terá piada e, certamente, pertinência mas não naquele horário de final de tarde onde não fez mossa e se revelou de reduzida eficácia. São precisos abanões, é certo, mas este não foi o que se impunha.

 

A estreia dos Crack Cloud conseguiu reunir uma expressiva camada de curiosos, onde nos incluímos, atraídos por um género de duro dance rock que não dispensou até um saxofone. Ao comando esteve o baterista Zack Choy, um verdadeiro timoneiro e também vocalista principal, responsável por acelerar ou frear a perfomance num jogo de ritmo endiabrado e surpreendente. Resultado: dentro do género, um excelente concerto!

 

Bem vindos à reunião síncrona dos Les Savy Fav. A atenção estava, por isso, no ecrã e no seu crescente número de aderentes apostados em participar a partir do telemóvel na comunhão colectiva de nonsense, figurinhas, bocas ou mascaradas digitais. Mas o zoom disctractivo não escondeu a potência das canções de bom amargo punk e que teve em Tim Harrington um mestre cromo-agitador, figura que se foi transfigurando, despindo a fatiota, até ficar em pelota num género de fato "veias do corpo humano". Em vários momentos, um extenso fio do microfone foi esticado pela plateia e arredores como um cabo de salvação anárquico que serviu para meter conversas, beberricar dos copos dos festivaleiros, roubar chapéus ou elogiar, brejeiro, a força dos seguranças. Numa das incursões, sentou-se no balcão do bar mais próximo do recinto e só faltou pedir uma cerveja que, caramba, já bem merecia! Estava, contudo, na hora de tomar/ganhar lugar na colina courense para receber a melhor banda americana... 

 

Como já muitas vezes por aqui confessado, ver os Wilco, ano após ano, é sempre como se fosse a primeira vez. A expectativa, talvez sem explicação, provoca um frenesim e um nervoso miudinho que começou em 2009 também no Minho (Braga, Theatro Circo) e que já se repetiu em meia dúzia de ocasiões. Ali, de frente privilegiada para o palco principal, o que vimos e sentimos foi, diríamos, como sempre, uma banda no seu apogeu artístico e instrumental, embora essa aferição seja, para aficionados antigos, sempre muito difícil de traduzir. Humildes, intensos, a jogar nas circunstâncias - escolher "Spiders (Kismode)" para largar o lastro só mesmo por saberem do pouco tempo que tinham para tocar - a banda não se fez rogada e despachou, no bom sentido, quase uma quinzena de temas de um reportório cuja dimensão terá de ser um dia classificada como património americano. A grandeza do feito, encimada por um som sem reparos e de uma clareza e sintonia surpreendentes e que o anfiteatro natural serviu como uma luva de liberdade, só está ao alcance de alguns predestinados. Os Wilco merecem essa e muitas outras glórias!

 

Mais novos à frente, mais velhos lá trás que a menina senhora Lorde vai cantar o fado. Mentira. Lorde vai cantar, sem acompanhamento instrumental mas com cenário lustroso, uma bolada de canções sozinha em palco à uma da madrugada e, por isso, fomos lá para trás como é regra, muito lá para trás, para evitar a chinfrineira e os atropelos. Pronto, lá constatamos que a menina senhora lady Lorde encheu o palco grande com um savoir faire bem diferente do que aquele com que nos visitou em 2018 e, para o provar, decidimos encher o cartão de memória e o resto das baterias com os primeiro vinte minutos da aparição... ao longe!

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