A história, que se tornou lenda, conta-se em poucas linhas: no final dos anos sessenta, o jovem inglês Nick Garrie deambulava pelo Sul de França a tocar e a cantar onde pudesse quando foi descoberto e contratado para gravar para a Disc'AZ, o que aconteceu com "The Nightmare of J. B. Stanislas", álbum de 1969 de que só foram produzidos e distribuídos cem exemplares devido ao suicídio de Lucien Morisse, dono da editora parisiense.
O trabalho tornou-se, depois, uma apreciada obra de culto do chamado psych pop/rock na qual foi, originalmente, utilizada uma orquestra de mais de cinquenta elementos, sendo por diversas vezes reeditada. Em 2005, o disco recebeu um importante reconhecimento da imprensa especializada, alcançando comparações a "Forever Changes" dos Love e permitindo a Garrie voltar ao activo artístico e às digressões depois de alguns anos a trabalhar como professor ou instrutor de esqui! São desses tempos viagens pela Europa que chegaram a Portugal onde registou, de modo obscuro, um disco que o ano passado viu, de surpresa, a luz do dia.
Muitas destas histórias foram contadas pelo próprio de viva voz no concerto que o juntou aos Beautify Junkyards em 2014 no Maus Hábitos, serão que marcou a estreia oficial na cidade depois de, dois anos antes, ter sido apontado ao cartaz do Primavera Sound da Invicta, presença que, julgamos, não se ter concretizado. Na edição catalã do festival, uma semana antes, Garrie tocou na íntegra "The Nightmare of J. B. Stanislas" em duas noites seguidas no Auditòri del Forum com a ajuda de um quarteto de cordas.
Para juntar a todas as boas colecções, o tema título do mítico álbum conhece agora uma inédita rodela pequena de vinil em parceria com a 9x9 Records de Liverpool a que se junta, no lado B, "Around The World", canção da mesma época regravada em 2023 e que tem imagens agrupadas e editadas por Alger Landau a partir da partilha de variadas e inéditas fotografas, uma cortesia de admiradores e aficionados de todas as idades!
de Haruki Murakami e Seiji Osawa. Lisboa; Casa das Letras/Leya, 2022
Um maestro e um escritor de diferentes gerações acordaram partilhar a sua paixão pela música dita clássica da melhor forma - conversando sobre ela ao longo de dois anos (Novembro de 2010 a Julho de 2011) em ambiente amistoso e informal. Haruki Murakami, afamado escritor japonês também conhecido pela sua infindável, e de qualidade, colecção de discos de vinil quer de jazz ou de pop-rock, acumula também preciosidades relativas a compositores clássicos como Beethoven, Mahler ou Brahms, dominando ainda os respectivos directores de orquestra, os solistas ou algumas circunstâncias da composição e gravação. Mas, colocando estes discos a rodar, escondem-se uma série de pormenores que a simples audição não permite distinguir a não ser um ouvido apurado, experiente e cirúrgico como o de Seiji Osawa...
O premiado maestro, também japonês e falecido aos oitenta e oito anos no mês passado, é parte decisiva quanto ao imediato fascínio do livro. Mesmo para leigos como nós em música clássica, isto é, que não distinguimos correctamente autores, estilos, épocas ou andamentos, as seis conversas funcionam como um banquete de curiosidades e confissões vindas, principalmente, da experiência de vida de Osawa em rotação pelo comando de orquestras prestigiadas (Boston), de fintas e rodopios para agradar e corrigir os músicos, os cantores de ópera, as administrações ou mecenas e as amizades com lendas como Leonard Bernstein (1918-1990) ou solistas como o pianista Glenn Gould (1932-1982). Tudo em modo de mergulho no pormenor, na historieta ou na traquinice e que, a partir do diálogo estabelecido, resultam numa narrativa de plena e entusiástica melomania.
O jovem maestro Martim Sousa Tavares, no prefácio da edição portuguesa, assinala duas características que, muito justamente, ajudam a perceber este indiscutível encanto: o dom da palavra (Murakami) e o dom da musicalidade (Osawa) ofuscam-se pela complementaridade na audição e na observação, uma excepção temporal de irrepetibilidade certa e que Tavares anota ainda no facto pertinente de termos, no caso, "o génio literário que ouve como um músico".
O resultado, contagiante na leitura e multiplicador do amor pela música, acelera a vontade inaudita de também ouvir sobre o que se leu, para o que existe disponível uma lista de cento e cinquenta e cinco "músicas" curadas pelo próprio Murakami de forma desafiadora e, como não dizê-lo, impressionante. Música, só música!
Ao fim de um hiato de seis anos, os australianos The Church editaram "The Hypnogogue" em 2023 e não foi preciso esperar muito mais para um novo álbum que aos poucos se foi destapando no último semestre.
Um ano depois e chegados ao final de Março, aí está "Eros Zeta and the Perfumed Guitars", quinze temas em jeito de segunda parte de um projecto em movimento e que tem nas guitarras uma tradição que a nossa casa continua a "gastar" fielmente há mais de quarenta anos!
Por antecipação, a noite minhota de Domingo passado adivinhava-se histórica. A presença, em estreia, de Patti Smith na cidade criou, desde a data de venda dos bilhetes, um frenesim compreensível entre uma geração que tem por ela uma veneração longínqua que não se resume a saber de cor muitas das suas canções. Muitos lemos os livros, os poemas ou as entrevistas e admiramos a sua versatilidade e coragem artística o que ali, num dos mais bonitos teatros portugueses, ganhava uma proximidade e intensidade previsíveis e irrepetíveis.
Foi dessa tensão e vibração que a perfomance se (pre)encheu desde o início com a leitura e, por vezes, uma leve cantoria de textos agrupados sob o titulo de "Correspondences" com fundo sonoro do Soundwalk Collective e projecção de belas e notáveis imagens e efeitos visuais a cargo do realizador português Pedro Maia. Tudo, por isso, de estética e justaposição narrativa intencionalmente preparada para nos obrigar à concentração e atenção ao que Smith, mesmo só em inglês, relatava e contava de forma sublime. Sem mácula ou enganos, entre golos de chã, vimo-nos submersos pelos seus discursos de permuta, de acusação, de apelo ou perigo que as imagens de fundo acentuaram na urgência da ecologia, da insubmissão ou da igualdade. Uma gramática visual e sonora que transbordou, imensa, na última sequência dedicada a Pasolini, também ele um artista irrequieto na sua múltipla e insubordinada provocação agitprop.
O encore que se seguiu trouxe ao palco a mãe Patti e a filha Jess Paris para dois temas como que desanuviadores de uma energia que se foi acumulando, pela contenção, ao longo de oitenta minutos. Já de luzes acesas e confessando a participação, como não, nas procissões de Domingos de Ramos, foram escolhidos a critério os temas "Wing" do álbum "Gone Again" (1996) e o inevitável e adorado "People Have the Power" de "Dream of Life" (1988), hino que hoje em dia se multiplica, essencial, na sua imprescindível vigência activa e vigilante e que mereceu, também por isso, coro uníssono. O poder de sonhar, esse Patti Smith há-de continuar a exaltar como ninguém! (para quando o Prémio Nobel?)
Aquando da estreia em 2018 com o álbum "Shiroi", o jovem Mansur Brown, então com vinte e um anos, era comparado na mestria da guitarra ao que Thundercat executa com um baixo ou Robert Glasper com um piano ou um Fender Rhodes. Guitarras ao alto, então, naquilo que parece um exagero a la Jimi Hendrix mas que Mansur tem sabido dosear em discos assertivos como "Heiva" (2021), onde a soul, o funk, o flamenco ou até o afrobeat se sintetizam literalmente num caldeirão instrumental e que nos dois mais recentes volumes de "Naqi" (2022) se temperou mais pausadamente num género de pacific soul aprazível.
Não havia que enganar. A plateia bem composta e conhecedora do receituário era, pois, dessa insigne destreza
saída da guitarra que estava à espera, o que foi prontamente aviado em pouco mais de uma hora de submersão sonora pelo mestre guitarrista que, para o efeito, contou com a ajuda de um baixista e um baterista. Notou-se, ainda assim, alguma verdura no entrosamento com o percutidor que, ouvimos, só na véspera se tinha juntado em estreia ao restante duo, o que não retirou ao recital nem uma pontinha de mérito.
A celebração teve, como se pedia, aquele toque de requinte a roçar um preciosismo escorregadio que ainda faz falta e que, quase anacrónico, se reveste de uma hibridez polida e atmosférica para, lato sensu, se abastecer no e pelo jazz para contar histórias ou pintar paisagens cativantes de uma suposta exposição/assemblage. Parece fácil, mas só um prodígio como Mansur Brown o pode conseguir com tamanho nível de precisão e envolvência, um género de curadoria performática a que foi impossível resistir. Saboroso!
de Ana Müshell. Lisboa; Iguana/Penguin Random House, 2022
Não sabemos quando é que, concretamente, a moda começou mas isto de fazer biografias desenhadas de músicos terá de certeza um pretérito de décadas que não perdeu razão de ser. Nos últimos anos serão alguns os exemplos de sucesso quanto ao género, o que tem acelerado outros projectos (p. ex. Bowie, 2023), sugerindo que a insistência vai continuar.
A ilustradora espanhola Ana Müshell, uma apaixonada pelo trajecto e firmeza de Patti Smith, agarra com mestria e pertinência uma vida num formato de "intrudução a...", apesar dos quase oitenta anos já detalhadamente descrita pela própria artista em vários livros, o que se afigura uma preciosa ajuda a quem pretender dar a conhecer da melhor maneira a mais novos, filhos ou afilhados, uma das personagens mais fascinantes da história da música popular. Essa aparente leveza está dividida em oito partes que se unem num todo artístico de poetisa, escritora, fotógrafa, compositora ou cantora, facetas que transformaram Patti Smith num caso único no feminino de imparável sucesso mas que tem na sua essência uma marca de resistência e... vida!
Será sempre fascinante, como se denota desde as primeiras páginas deste livro, verificar essa força, essa virtude e resiliência na procura de uma plenitude emocional ou amorosa que a ligou e continua a ligar a tantos e variados compagnons de route sem ressentimentos ou friezas. Contudo e como qualquer um dos mortais, foram dolorosas as perdas, as agruras e incertezas desde a estadia boémia no Chelsea Hotel, passando pela assunção de estrela rock, até aos primeiros livros de poemas ou exposições de fotografias, que só uma personalidade vincada e abnegada multiplicou na experiência e, claro, nas liasons.
Não há uma única página sem desenhos de amigos e parceiros, bandas e rockeiros (curiosamente, não há Beatles mas há Stones), capas de discos ou fachadas de restaurantes e hotéis marcantes, de poetas de outros tempos (falta por aqui o Pessoa) e de agora que, numa catadupa peculiar, Müshell ilustra de forma fantástica e surpreendente. Tudo com um traço tão moderno mas, ao mesmo tempo, tão vintage e clássico que não cansa e nos obriga a reparar nos pormenores ou na mancha sem distinção enquanto vamos lendo sobre a fuga para Nova Iorque, a obsessão pela escrita ou a amizade com Kurt Kobain.
Não sendo um caso fácil, este álbum sobre Patti Smith é mesmo uma deliciosa edição que se lê e relê numa tarde e a que se regressa sem esforço no dia seguinte, sendo uma boa prova de oportunidade, talento, bom gosto e inteligência e também um reforço, mais um, para que a luta incansável que Patti Smith continua a assumir seja inspiradora de criação e inquietação duradoiras.
Tamanho legado, expresso num verso de um poema, na imagem inconfundível de uma polaroid ou na letra de uma canção, não se poderá resumir simplesmente ao carinhoso epíteto de "madrinha do punk" mas a algo bem mais desconcertante que a aproxima de uma lenda viva, seja lá o que isso for, e que nos faz (bem) tremer. Como este arrepiante "Free Money" já com oito anos. Poderoso(a)!
Aproveitando o embalo do Dia Mundial da Poesia, repomos hoje alguma justiça quanto a uma sugestão que já por aqui devia ter acontecido - o excelente disco "Mãe" que Cristina Branco lançou em Setembro passado, uma criação que a faz regressar ao fado clássico mas onde são ainda os arranjos, as melodias e as letras que continuam a brilhar pela sua voz.
Deixamos dois dos maravilhosos exemplos com líricas de David Mourão Ferreira e de Aldina Duarte. Poesia encantada!
Sobre "Seven Psalms", o álbum que Paul Simon lançou em 2023, talvez não valha a pena fazer muitos comentários. É melhor, simplesmente, ouvi-lo na sua intangível perfeição.
Há agora, contudo, uma passagem pelo programa de Stephen Colbert a propósito da estreia de "In Restless Dreams: The Music of Paul Simon" na televisão americana, um filme biográfico que contempla uma abordagem ao passado mas descobre, principalmente, o projecto de gravação do referido "Seven Psalms" e que o confirma como um verdadeiro tesouro!
O primeiro sinal foi dado em Novembro. A maravilhosa Julia Holter fez sair "Sun Girl", um novo tema de efectiva e vibrante surpresa psicadélica que integra "Something in the Room She Moves", um sexto álbum de originais a sair ainda esta semana na Domino.
Quase seis anos depois de "Aviary" e da última passagem, sempre elegante, pelo Parque da Cidade na Primavera, Holter aventura-se, inconformada, por uma sonoridade focada e inspirada, diz, na mutação e complexidade do corpo humano, um universo sem dúvida desafiante e que a concentra no presente como um tempo que, para além de verbal, se torna visceral e intenso como o bater do coração. Ouçam-se, pois, mais estas duas admiráveis arritmias!
"Lou foi o meu primeiro cliente no meu primeiro emprego como empregado de mesa num café de Nova York. Fiquei apavorado e estraguei completamente o seu pedido. Ele não estava feliz. Mais tarde, ficamos amigos e descobri o seu lado terno e frágil que, claro, está presente na sua música. Acho que “Perfect Day” tem toda a ternura, compaixão e gentileza que Lou tinha e é, de facto, uma música perfeita. Até hoje, ainda sinto falta da voz dele e gostaria de poder cantar com ele novamente. Ele era um mestre compositor..."
Numa tradução livre, é assim que Rufus Wainwright evoca a memória de Lou Reed (1942-2013) a propósito da edição de "The Power of the Heart - A Tribute to Lou Reed", disco que terá um exclusivo em vinil prateado no Record Store Day marcado para 20 de Abril. A versão de "Perfect Day" ganha particular destaque pela sempre difícil simplicidade e que Rufus prolonga em três minutos e meio de beleza com a ajuda, sem certezas, de Madison Cunningham, parceria testada ao vivo nos últimos meses.
No disco participam, entre outros, Lucinda Williams, The Afghan Whigs, Maxim Ludwig & Angel Olsen ("I Can't Stand It") ou Rickie Lee Jones ("Walk On The Wild Side"), para além de Keith Richards que deu voz e guitarra a uma cover de "I'm Waiting for the Man" já divulgada e que, em duas semanas, atingiu mais de um milhão de visualizações!
Nascida e crescida no Alabama, Katie Crutchfield juntou-se à irmã gémea Allison para formar uma banda de nome P.S. Elliot mas foi sozinha que se assumiu, em 2011, como Waxahatchee, nome de pequeno rio das redondezas natalícias. A ajuda da irmã manteve-se em digressões e estúdios, como testemunhado em Coura logo em 2015 para apresentar o segundo disco "Ivy Tripp", mas também a mana não perdeu o lanço artístico através do projecto Swearin' e até de uma primeira experiência a solo.
Outras visitas ao nosso país se seguiram. Em 2018, já com rodagem do disco "Out in the Storm" feita, esteve no Parque da Cidade bem mais madura e certeira e voltaria no ano seguinte para ajudar o já namorado Kevin Morby na sua digressão europeia que teve em Braga noite exemplar. Notou-se desde logo, para além do amor no ar, uma outra calma e sobriedade que o disco seguinte "Saint Cloud" (2020) contava na primeira pessoa - a dependência do álcool tinha sido ultrapassada em definitivo já em Kansas City, sendo a composição de novas canções em boa companhia a melhor das terapias. Sem esquecer o passado, serviram essas boas e más memórias para um novo trabalho que se mostra, desde já, apetecível e pacificador.
Transpira, por isso, muita confiança e determinação em "Tigers Blood", álbum de estreia na Anti-Records agendada para a próxima semana e que tem já três temas desvendados. O registo teve ajudas do puto Spencer Tweedy, dos amigos Phil & Brad Cook e de MJ Lenderman dos Wednesday (tocam por Coura em Agosto...) que canta a seu lado em "Right Back to It", forte candidato a uma das canções do ano.
O projecto paralelo Isla que Josh Rouse lançou em 2021 em plena pandemia tem desde o mês passado um reforço de qualidade com "Oceanside", um EP de uma mão cheia de canções de acentuada e saborosa onda relaxada. A capa e desenho é da esposa Paz Suay.
Nas palavras do próprio, é pop quentinha, electrónica e de alguma melancolia que, com o nosso aplauso, continua mais que válida e... bonita!
Antes do álbum novo que se anuncia para a próxima semana, Adrianne Lenker publicou hoje um conjunto de seis demos registadas sem data nem local e cujo lucro da venda digital será destinado integralmente para o apoio às crianças palestinianas através da organização Palestine Children's Relief Fund.
No seu instagram Lenker escreveu, traduzindo:
"Não consigo expressar o quão triste e zangada estou com esta violência contínua contra os palestinianos. A matança deve parar. A necessidade de um cessar-fogo é mais do que urgente. Cessar-fogo permanente agora!”.
Os temas foram masterizados pelo produtor Philip Weirobe e têm bonito e floral desenho de capa da autoria de Diane Lee. A colecção inédita recebeu o título de "i won't let go of your hand" e está disponível através do bandcamp da artista.
Entretanto e depois do prenúncio de Dezembro último, há hoje uma excelente entrevista dada ao The New York Times sobre "Bright Future", o referido álbum a solo e de que se conhecem mais duas das doze novas canções. Futuro brilhante!
"No ano em que completamos dez anos de existência iremos ter ao longo do ano uma série de eventos em jeito de comemoração, começando já amanhã [hoje] dia 8 com uma exposição há muito aguardada de uma das nossas artistas favoritas, Karīna Krūmiņa.
Para celebrar o Dia da Mulher, a ilustradora criou uma série temática de lindíssimas aguarelas sob o nome “Women”. Sábado, dia 9 teremos uma festa de apresentação a partir das 17h, com um set a cargo dos DJ’s Campaínha Eléctrica e Chico Ferrão."
O aviso dos amigos do Mercado48 (Rua da Conceição, 48, Porto) fica feito.
Amanhã faremos arejar os nossos discos pequenos, supostamente, sobre a MULHER e tudo à(s) volta(s)... Em dia de reflexão, como se percebe pela Jane Birkin ali em baixo, este não vai faltar!
As manas Bianca e Sierra Casady que adoptaram o nome de CocoRosie lançaram, de forma oficial, o primeiro álbum "La Maison de Mon Rêve" pela editora Touch and Go em 2004. Em vinte anos, a dupla passou várias vezes por Portugal, viveu experiências inspiradoras e colaborações diversas e refugiou-se em períodos de pousio artístico como o vivido entre 2015 e 2020, ano em que finalmente editaram "Put the Shine On" apesar de recepção fria e distante da maioria dos fãs.
O primeiro foguetório comemorativo está marcado para amanhã, Dia Internacional da Mulher, com a saída do EP "Elevator Angels" onde recriam, em toada acústica, cinco originais preferidos dos vários discos acompanhadas pelo pianista francês Gael Rakotondrabe. O primeiro deles - Beautiful Boyz" - é já audível e é mais que recomendado! A promessa é que outras e semelhantes recreações se juntem ao quinteto inicial para formar um disco inteiro do mesmo nome, com direito a inéditos, a sair lá para o final do ano.
Outros estalos farão parte, entretanto, da celebração. O referido álbum de estreia será reeditado em formato duplo de vinil pela mesma editora a que se adicionará o oitavo trabalho de originais ainda sem nome que chegará, sem certezas, lá para o Outono.
Na corrente digressão as CocoRosie aproveitam para fazer uma retrospectiva da carreira mas não dispensam a apresentação de novas canções e para as quais recebem em palco a ajuda de Tez Tezokay nas batidas e na beatbox e do japonês Takuya Nakamura como multi-instrumentista. Pode ser que a festarola se estique até cá...
Na próxima sexta-feira é editado pela One Little Independent Records um álbum, no mínimo, inesperado na parceria - a inglesa Marry Waterson associa-se ao irlandês Adrian Crowley em onze originais registados lado a lado sob produção de Jim Barr, contrabaixista dos Portishead.
De título "Cuckoo Storm", o trabalho vê juntar-se um nome histórico da folk britânica a um melancólico cantautor irlandês a partir de um acaso. Em plena pandemia, e durante um passeio nocturno no seu bairro de Dublin, Crowley decidiu, temeroso, escrever uma mensagem para Waterson fascinado com o seu disco "Death Had Quicker Wings Than Love" co-escrito com David A Jaycock e lançado em 2017. A resposta foi pronta e reconhecida e a que se acrescentou um convite, imediatamente aceite, para que, juntos, pudessem escrever canções.
O resultado, como seria de esperar, entrelaça uma veia folk dita tradicional a uma outra de colheita mais recente sem que essa distinção seja sequer perceptível tamanha é a fluidez da colaboração e do esforço em fazer das melodias e letras um conjunto particular e, certamente, único. Sirvam-se, para já, das três primeiras e "folklóricas" delícias... (videos a cargo da própria Marry Waterson!)
Para a estreia nortenha no país, Alabaster Deplume pôs um nada inocente lenço keffiyeh pelas costas e trouxe uma baixista e uma baterista de articulação instrumental e também vocal, notoriamente, mais rodada e orgânica que a da experiência anterior presenciada em Coimbra.
O disco mais recente "Come With Fierce Grace", que apesar de ter na fonte uma série de sessões desperdiçadas aquando da gravação do anterior "Gold", submerge numa coesão e perfeição vibrante. Notou-se essa clareza, por exemplo, no fantástico "Did You Know", talvez uma das maiores pérolas desse álbum, com voz fantástica da também baterista Momoko Gill e que resultou num dos grandes momentos da matinée minhota. Tamanho mantra teve também no baixo grosso e redondo uma outra validação que engrandeceu muitas das peças escolhidas, um notável conjunto fruto de colaborações e sinergias que ao vivo se adequam a convites sonoros ao diálogo e interpelação, mais que não seja pela leve dança e gingado que despertam.
Dessa troca de impressões e confissões introdutórias ou filosóficas (?), daquelas efectivamente manifestadas e participadas, não faltaram os incentivos habituais aos ouvintes quanto ao simples e aparente facto de estarmos vivos, despertos e sonhadores nestes tempos de perigoso e crescente balanço autoritário que se serviu, sarcástico, num caótico "I Was Gonna Fight Fascism" que Deplume gravou em 2020 com os Soccer93, dupla que encarna parte substancial do poderoso trio The Comet Is Coming. Mesmo a brincar, talvez o desafio continue premente e sem dar direito a desistências...
A colecção de sons, essa continua em sala a funcionar atilada no saxofone vibrante que Deplume executa de jeito insofismável, juntando-lhe não poucas vezes um fundo coral que eleva muitas das composições a uma doce ladainha de igreja para falar de assuntos sérios de que nunca é tarde para insistir. A glória e aplauso que se adivinhavam mereceram encore surpreendente, atendendo ao acender das luzes de sala já quando muitos se apressavam para descer as escadas, mas que logo regressaram para que a celebração, completa e plena, fosse benzida à guitarra com um litúrgico "Tell Me". Continuamos, por isso, sempre juntos!
A vida de Mark Kozelek não deve manter-se fácil a partir das acusações de abuso sexual de que foi vítima em 2020 e 2021, o que continua sem nenhuma consequência formal a não ser a da óbvia queda reputacional e abandono por parte de muitos do fãs.
Sem julgamentos apressados, sentimos, é certo e desde aí, algum desconforto sempre que o assunto volta à baila numa roda de amigos ou até quando uma das suas muitas canções soa na rádio.
Confessamos, por isso, a nossa distância quanto a novos temas ou esforços de reabilitação como os que amiúde o músico foi publicando - um punhado de singles e canções de Natal e até um álbum "Quiet Beach House Nights" em nome dos Sun Kill Moon, todos de 2023 - bem diferentes daquela onda em monólogo que o foi enredando em confissões sonoras de temas, ainda assim, prazerosos.
Contudo, há agora em novo Ep de três inéditos que confirmam o regresso ao bom estilo vintage dos Red House Painters a merecer audição atenta e onde as líricas se mantêm como um diário de memórias, ora sarcásticas ora nostálgicas, de melodias apuradas, as melhores que nos últimos e conturbados anos têm publicado. A mordacidade e acidez, essas continuam imparáveis. Ouça-se por exemplo "Mark Kozelek Died Happy While Fishing"...