de Neo Sora. Japão; Film Constellation/Midas Film, 2023
UCI Cinemas, Arrábida Shopping, 2 de Abril de 2024
O que fazem vinte cinco pessoas adultas numa chuvosa tarde de terça-feira numa sala grande de cinema? Diríamos que, na maioria das vezes, tentam passar um bocado de tempo da melhor maneira, seja pela curiosidade em relação ao que vão ver, seja na expectativa da confirmação de uma boa ou, até, má crítica sobre o filme escolhido. No caso, contudo, percebeu-se que todos lá estávamos por uma única razão - prestar homenagem a uma das maiores figuras da música dos últimos cinquenta anos pela simples audição das suas composições. Pode parecer redutor, soar pretensioso, mas terminada a sessão onde ninguém desistiu, comprou pipocas ou falou ao telemóvel, respiramos fundo e acabamos com um leve sorriso de satisfação que o maestro Ryuichi Sakamoto, certamente, replicaria com uma vénia. Mas como é que se consegue tamanho monumento?
As vinte peças escolhidas em jeito de panorâmica da sua obra/opus de cinco décadas, executadas e curadas pelo próprio numa última perfomance ao piano, funcionam como uma narrativa magnífica que não precisa de legendas, títulos ou referências. Sucedem-se numa atmosfera de intimidade que, num grande ecrã, nos enchem de uma atenção imediata pelo preto e branco dorido mas sublime das imagens, percorrendo o grande piano, as mãos de dedos finos sobre as teclas ou as feições de um rosto expressivo e cansado. Por vezes, há um candeeiro que se acende, forte, para o iluminar permitindo perceber a fixação dos microfones, o fundo do estúdio ou o leve cima-para-baixo das cordas, tudo sem nunca nos causar qualquer distracção quanto à magnificência das composições e da sua simultânea doçura e desassossego.
O propósito sugere uma simplicidade que, numa consulta à ficha técnica, é atropelada pela imensidão de meios e técnicos envolvidos. Sente-se, pois, esse perfeccionismo tão japonês na escolha dos ângulos, dos pormenores e de uma acentuada estética fotográfica que foi assumida por Bill Kirstein, nova-iorquino experiente na aproximação e fixação de expressões e movimentos e que aqui teve uma prova de fogo irrepetível e única - este foi mesmo o último, dito, concerto mas que o próprio assumiu como impossível de executar num único fôlego. Sem forças suficientes para uma hora ou uma hora e meia seguida ao piano, foi então necessário registar tema a tema e, apesar de transmitido para muitos países do mundo no final de 2022 como um evento em streaming pago a partir do estúdio 509 da emissora nipónica NHK em Shibuya (Tóquio), a perfomance foi previamente montada e supervisionada pelo autor de forma a sugerir um concerto convencional.
O filme daí resultante, estreado em Veneza em Setembro passado, é assim, mais que uma apurada celebração de vida, uma dádiva sentida e destinada a vincar um testamento eterno quanto ao fulgor e nobreza de uma música intemporal e, necessariamente, sonhadora. Ao ouvir, quase no final, o inebriante
"Merry Christmas Mr. Lawrence" na sua dimensão esplendorosa que todos já sentimos sempre que ele repercute, tornou-se memorável e mesmo excepcional juntar-lhe a dimensão tocante da imagem que só um grande ecrã de cinema permite alcançar e que, em boa hora, obteve distribuição comercial. Haveria, por isso, que ficar sentado mesmo, mesmo até ao fim...
Já depois da ficha técnica e do alinhamento das peças, um aforismo popularizado por Séneca fixou-se ao de leve na tela - Ars longa Vita brevis.
Arigato, mestre!
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