sábado, 6 de abril de 2024

(RE)LIDO #121





















ZECA SEMPRE
 
Vários autores. Porto; Memória/Arca das Letras, 2006 
Em mês comemorativo dos cinquenta anos da Revolução de Abril, tentaremos em quatro semanas falar sobre ela através de uma das suas figuras mais evidentes e descomprometidas - José Afonso! Têm sido muitos os livros saídos sobre o músico de Aveiro mas não pretendemos ser exaustivos e apressados ao seu acesso e leitura, até porque há uma infindável colecção que ficou para trás na análise e injusto esquecimento apesar de, por aqui, já termos trazido publicações a ele alusivas. Nunca serão, no entanto, demais. 

É o caso desta recolha de histórias e tributos já de 2006, pequeno volume que pretendia antecipar os vinte anos sobre a sua morte, convidando um pouco mais de vinte pessoas a dar o seu testemunho referente ao músico, ao cantor ou, simplesmente, ao amigo. Alguns nunca sequer lhe falaram, outros viajaram e conviveram com ele, muitos partilharam palcos e estúdios, poucos ou nenhuns acederam à sua intimidade. Destacam-se, mesmo assim, os textos ou poemas de Manuel Alegre, Francisco Fanhais, José Mário Branco ou Pedro Barroso e dos jornalistas nortenhos Francisco Duarte Mangas, César Príncipe, Jorge Ribeiro ou José Viale Moutinho. São destes dois últimos duas das mais sumarentas histórias que o livro aporta e que valem a pena recontar pela curiosidade e significado mas que não disfarçam, no conjunto, um notório desnível de interesse e novidade de uma edição, ainda assim, meritória. 

Dois meses depois da sua morte, em 24 de Maio de 1987, a Galiza promoveu uma homenagem a José Afonso. O repórter Jorge Ribeiro, ao serviço de um diário da Invicta, insistiu na deslocação a Vigo, tentou que agenda do jornal não o esquecesse mas acabou, por iniciativa e viatura própria e sem repórter fotográfico, a viajar nesse sábado até lá sem certeza do tamanho do espaço disponível para o artigo ou sequer que ele seria publicado. O que viu e ouviu foi relatado somente quatro dias depois como "um exclusivo" da publicação, aqui reproduzido na totalidade, já que mais nenhum orgão de comunicação social luso esteve representado! A "coisa", afinal, foi em grande (transmissão televisiva, radiofónica, conferências, espectáculos de rua, etc.), sentida e participada e uma confirmação clara da importância e afecto que a região espanhola sempre dedicou a José Afonso, carinho que já devia ter merecido a edição de um ou mais bons livros de memórias e contextos e até a realização de documentários televisivos ou cinematográficos que recuperassem imagens, sons e demais inéditos sobre uma ligação "familiar" de raízes bem mais antigas - Galiza Homenageou Zeca "Como se fora seu filho" foi o título do artigo! 

Dez anos antes, José Afonso participou no VII Festival Internacional da Canção Popular do Rio de Janeiro depois de ter recolhido quinze mil votos de leitores do "Diário de Lisboa"! Na comitiva portuguesa viajou o jornalista José Viale Moutinho que conta as peripécias de uma participação condicionada, "inclinada", onde se referem outros figurões como Moustaki, Demis Roussos ou Gilberto Gil. Coutinho conta como a DOPS (a PIDE brasileira da altura, já que o país ainda viveria em ditadura até 1985) se infiltrou no "controlo" e de como, numa mesa de piscina do Copacabana Palace, deu de caras com José Afonso em amena cavaqueira com um tal coronel Chadek da referida polícia, agente que se tinha apresentado de véspera ao jornalista mas que o músico desconhecia, naturalmente, por completo! Imaginar esta cena "tropical" é quase comédia negra a que se poderá acrescentar o que terá sido a apresentação efectiva da canção "A Morte Saiu à Rua" somente acompanhada por dois violões e uma leve percussão num Maracanãzinho cheio e propositadamente "barulhento" depois de muitos ensaios infernais e agitados num quarto de hotel... A transmissão televisiva desta participação foi realizada em directo e que bom seria ver essas imagens históricas. Onde é que elas estarão escondidas/esquecidas? 

O livro abre com a mais sentida das homenagens - o brasileiro Alípio de Freitas (1929-2017) era um preso político na Fortaleza de Santa Cruz de Niterói aquando do 25 de Abril, caso que em Portugal motivou forte empenho na tentativa de libertação. O próprio tinha enviado clandestinamente uma carta para o nosso país, relatando a sua condição mas também o seu empenho na luta anti-fascista, o que chegou ao conhecimento de José Afonso. Aquando de uma visita oficial do Cônsul do Rio de Janeiro à prisão foi-lhe entregue uma cassete que só pôs a tocar quando regressou à cela e, pela primeira vez, ouviu a voz do cantor e uma das canções com o seu nome - "Alípio Dias" (tema que encerra o disco "Com as Minhas Tamanquinhas" de 1976). Como recorda o próprio Alípio, as canções ecoaram, então, bem alto para que os restantes presos também as pudessem ouvir também pela primeira vez, momento que para José Afonso se afiguraria, certamente, reconfortante!     

Dá-se nota, no final da publicação, da intenção de organizar um volume de cinquenta testemunhos em prosa ou verso dos próprio leitores, depois de uma prévia seleccão por um júri, o que estava agendado para Fevereiro de 2007. Do interessante projecto não se conhecem quaisquer desenvolvimentos, o que é uma pena e... penoso.

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