quinta-feira, 2 de novembro de 2023

AURE + ANDY SHAUF, M.Ou.Co., Porto, 30 de Outubro de 2023

Uma prolongada estadia no México deu à francesa Aure a vontade de fazer música, relegando a arquitectura para segundo plano. Com a ajuda de amigos e de Piers Faccini na invenção das letras, gravou meia dúzia de canções para um EP a sair ainda este ano e a que chamou "A Few Notes". 

A actual digressão com Andy Shauf serve, então, de antecipação viva desse conjunto ainda por destapar na sua plenitude, uma oportunidade a que a plateia prestou toda atenção e respeito e onde, apesar da timidez e do nervosismo, se puseram a nu temas de fragilidade assumida. Sem filtros, sem truques, de líricas secas ora em inglês, francês ou espanhol, os temas confirmaram-se de reconhecível potencial mesmo que de imediata associação a outras almas como Nico ou a incontornável Françoise Hardy. 

 

A estreia de Andy Shauf no Porto não teve casa cheia mas teve, certamente, satisfação completa. Apesar do notório mal estar gripal (?), que o levou a sair do palco ao fim da primeira canção para ir buscar uma infusão milagrosa, o serão haveria de confirmar a notável dimensão de um songbook muito próprio e de particular acutilância. 

No alinhamento deu-se primazia aos dois discos mais recentes - "Wilds" (2021) e "Norm" (2022) - sem que fossem esquecidas pérolas doutros álbuns mais antigos, todas, no entanto, a formarem um conjunto como que por capítulos de uma narrativa de vida em que as aparentes banalidades se afiguram plenas de significados e alusões. Despidas de outros instrumentos e travadas em parte dos ritmos - "Halloween Store" foi o perfeito exemplo - as canções funcionaram de uma forma ainda mais intensa e profunda, valorizando o sarcasmo e mordacidade das líricas, ressoando perfeitas no silêncio de uma sala atenta e em crescente veneração. 

Será difícil escolher a melhor de um serão que, apesar do condicionamento da voz, se denotou recheado daquela subtil intensidade que se prolonga na mente e memória por muito tempo. Logo que possível, está, desde já, recomendada a repetição desta experiência terapêutica e... impressiva!

Sem comentários: