A sala do Ateneu, na sua charmosa e misteriosa penumbra, encheu-se para a festa que não demorou muito para se espalhar à custa de dois instrumentais iniciais (um deles chamado "Azymuth") de abanar os lustres e as bolas de espelhos, mesmo que o som se tenha mostrado desequilibrado no nivelamento das vozes vs os instrumentos. Valle tem no Rhodes, que toca como poucos, o feitiço inebriante que acelerou gingados imediatos de novos e velhos, um irresistível paladar sonoro que se acompanhou de um trio batido e magistral na bateria, baixo e trompete.
Valle têm, ainda, um verdadeiro manancial de canções-hits que não perderam nenhuma da suas capacidades de sedução, de "Água de Coco" a "Samba de Verão", passando pelos imprescindíveis "Bicicleta" ou "Estrelar" cantados em coro, a que acrescentou sempre uma capacidade de reinvenção com malta nova (Tom Misch, Emicida, Stacey Kent) nos discos mais recentes mas que nas suas versões ao vivo se mostraram bem distantes da patina eficaz dos velhos êxitos.
Contudo e sem sair do palco mas com forte e contínua ovação, Valle escolheu "Vida" para encerrar em apoteose o serão, original ao lado de Liniker de Maio passado onde se canta "olha essa festa chegando de volta para nós / olha essa vida trazendo esse amor entre nós", o que atendendo ao desfecho político da noite de ontem foi, na sua premonitória antecipação, um hino contagiante de esperança e renovação. Valle muito!