segunda-feira, 31 de outubro de 2022

MARCOS VALLE, Ateneu Comercial do Porto, 29 de Outubro de 2022

Quis o destino que este mês de Outubro, decisivo para o futuro do Brasil, tivesse uma banda sonora presencial de calibre irrepetível - começou com o estrondo dos Azymuth por Espinho e terminou em cheio com Marcos Valle em plena baixa da Invicta, uma coincidência feliz de dois nomes que se entrecruzam e completam há mais de cinquenta anos nesse som que se etiquetou de samba jazz. 

A sala do Ateneu, na sua charmosa e misteriosa penumbra, encheu-se para a festa que não demorou muito para se espalhar à custa de dois instrumentais iniciais (um deles chamado "Azymuth") de abanar os lustres e as bolas de espelhos, mesmo que o som se tenha mostrado desequilibrado no nivelamento das vozes vs os instrumentos. Valle tem no Rhodes, que toca como poucos, o feitiço inebriante que acelerou gingados imediatos de novos e velhos, um irresistível paladar sonoro que se acompanhou de um trio batido e magistral na bateria, baixo e trompete. 

Valle têm, ainda, um verdadeiro manancial de canções-hits que não perderam nenhuma da suas capacidades de sedução, de "Água de Coco" a "Samba de Verão", passando pelos imprescindíveis "Bicicleta" ou "Estrelar" cantados em coro, a que acrescentou sempre uma capacidade de reinvenção com malta nova (Tom Misch, Emicida, Stacey Kent) nos discos mais recentes mas que nas suas versões ao vivo se mostraram bem distantes da patina eficaz dos velhos êxitos. 

Contudo e sem sair do palco mas com forte e contínua ovação, Valle escolheu "Vida" para encerrar em apoteose o serão, original ao lado de Liniker de Maio passado onde se canta "olha essa festa chegando de volta para nós / olha essa vida trazendo esse amor entre nós", o que atendendo ao desfecho político da noite de ontem foi, na sua premonitória antecipação, um hino contagiante de esperança e renovação. Valle muito!

TOM WAITS, O ESPÍRITO DOS DIAS!

Não são novas as seis canções que Tom Waits reuniu para o inesperado e novo Ep "Grave Diggers" que hoje se evoca no dia certo - a intenção está associada a um tal espírito de Halloween que aqui na casa sempre foi desconhecido ou inconsequente. As tais canções continuam, isso sim, a ser grandiosas todos os dias...


FAZ HOJE (20) ANOS #85

















MADREDEUS e Flemish Radio Orchestra, Coliseu do Porto, 31 de Outubro de 2002
 
. Público, por Nuno Corvacho, fotografia de Fernando Veludo, 2 de Novembro de 2002, p. 38

sábado, 29 de outubro de 2022

ALEX ZHANG HUNGTAI NO GNRATION!















A presença de Alex Zhang Hungtai em alguns palcos portugueses era há alguns anos atrás uma dádiva mais frequente, tempos em que o músico fixou residência em Lisboa e multiplicou amigos como David Maranha e Gabriel Ferrandin. Há até o excelente "Barulho, Eclipse", documentário realizado por Ico Costa, que traça a preto branco alguns dos momentos que o trio partilhou e de que fomos felizardos testemunhas no ténis de Serralves em 2016

Mas o senhor Dirty Beaches têm bichos carpinteiros, daqueles que multiplicam comichões artísticas e inquietudes experimentais e aportou depois nos Estados Unidos onde continua a busca vanguardista sem descurar, sempre que é possível, a subida aos palcos. Na digressão europeia de Março próximo sabia-se da presença em Lisboa na ZDB, onde terminará o périplo (dia 18), mas o bonito cartaz de promoção afixa uma outra data nacional na véspera (dia 17) no GNRation de Braga como oportunidade rara de teste e interacção. Fica o aviso!

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

ANDREW BIRD, SINGLE CEREBRAL!





















Um poema chamado "I Felt a Funeral, In My Brain" escrito por Emily Dickinson em 1861, mas só publicado em 1896 ou, dizem outros, só nos anos cinquenta seguintes, serviu de inspiração para as canções que Andrew Bird escreveu para o disco "Inside Problems" saído em Abril último. 

Depois da respectiva autorização por parte da editora (Harvard University Press), decidiu agora musicar essas palavras através de uma magnífica canção, precisamente, com o mesmo o nome mas convidou Phoebe Bridgers para partilhar com ele as vozes, registo que terá edição limitada em single de vinil de uma única face já em pré-encomenda. Um must have!

VINCENT MOON'S LIVE CINEMA, M.Ou.Co., Porto, 24 de Outubro de 2022

                                                 Fotografia: facebook de M.Ou.Co.
















Com uma carreira de mais de vinte anos, pela câmara de filmar adentro do francês Vincent Moon já entraram os The National, Beirut, Arcade Fire, Efterklang ou Olafur Arnalds, só para citar alguns dos mais conhecidos. A lista chega a ser ilimitada se lhe juntarmos os pedaços que filmou para série La Blogothéque/Take Away Shows, um acervo histórico da música da última década quase a merecer classificação patrimonial e que decidiu abandonar para se lançar num projecto mais irrequieto e ambulante. Chamou-lhe "Petites Planètes", colecção disponível à distância de um play, e constitui um desafio explorador e documental ao lado companheira Priscilla Telmon onde se cruza cinema e música em formato etnográfico, mas também estético e fílmico, que alcança latitudes e geografias recônditas nos cinco continentes. 

Desde 2017 e pegando nesses "mini-planetas", Moon aventurou-se numa perfomance ao vivo que combina, em sessões irrepetíveis, as gravações (imagem e som) que tem recolhido em vários locais, improvisando e editando as imagens no momento, o que no M.Ou.Co. teve direito a mesa de "Vj" bem no centro do espaço rodeada por cerca de oitenta pessoas que responderam ao desafio. Pena que se tivessem que sentar no chão - a opção de não instalar cadeiras pereceu-nos incompreensível dado o desconforto físico e, já agora, o preço do bilhete - para de forma concentrada testarem a experiência imersiva que foi crescendo de intensidade e vibração ao longo de uma hora. 

Os sons que acompanham a beleza das imagens de ritos sagrados, tribos amazónicas, cerimónias tradicionais ou canções de embalar, foram também eles manipulados e entrecruzados pelo artista com mestria e algum risco, uma sequência e ondulação criativa de notório sucesso sensorial apesar do estado de enfermidade que, confessou, estar a ultrapassar aos poucos. 

Neste regresso à cidade ao fim de menos de um ano, os dois fragmentos portuenses que utilizou já mais perto do final, registos feitos aquando do Womex do ano passado (vide abaixo), haveriam de dar ao desempenho uma expressão de carinho que foi notório desde o início, um encontro de velhos e novos amigos em que, ao amor pelo cinema e pela música, se juntou um virtuoso espírito de descoberta e uma cada vez mais esquecida partilha de conhecimento(s) presencial.   


quarta-feira, 26 de outubro de 2022

DESTROYER, EPISÓDIO DE SONAMBULISMO !

A magnífica e diversificada série de singles "Looking Glass" promovida pela Mexican Summer, iniciativa com mais de trinta canções de criação colaborativa desde 2020, tem agora mais uma pérola. 

Ao talento de Dan Bejar aka Destroyer juntou-se o do produtor Sandro Perri para o inédito "Somnambulist Blues", um assinalável momento cinemático e onde a improvisação da lírica foi registada num só take, experiência nunca tentada pelo próprio mas a que quer rapidamente voltar. Lá pelo meio, não por caso, fala-se e insiste-se em Peter Greenaway... O desenho de capa pertence a Sam Ryser.

THE INNOCENCE MISSION DA IDADE DA INOCÊNCIA!























O início da semana serviu para os amados The Innocence Mission cumprirem o prometido - a edição de uma colectânea polvilhada de canções ao vivo, demos e temas que resultaram do álbum "Glow" de 1995, tudo de uma época em que banda tinha alguma visibilidade pública, digressões abrangentes, convites televisivos e aspirações inocentes ao sucesso. 

Chamaram-lhe "Geranium Lake", nome de canção esquecida na edição do single "Bright As Yelow" que pertencia ao referido disco, num tempo onde a Karen e Don Peris se juntava o baixo de Mike Bitts e a bateria de Steve Brown e se brincava às versões como a de "Day By Day", aqui incluída, que Stephen Schwart escreveu em 1971 para o musical "Godspell". Tudo bons motivos para que o culto antigo se mantenha activo!


terça-feira, 25 de outubro de 2022

BENJAMIN CLEMENTINE NO PALÁCIO!

O regresso aos discos de Benjamin Clementine está marcado para a semana com "And I Have Been" e de que se conhecem oficialmente duas canções. Conhece-se agora também que a digressão prevista para a Europa em 2023 passará a 23 de Setembro pelo Pavilhão Rosa Mota / Superbock Arena e na véspera pelo Campo Pequeno de Lisboa. Bilhetes ainda esta semana. Até lá, vamos maturar se iremos resistir a comparecer no palácio...


UAUU #662

AMBROSE AKINMUSIRE, Festival Jazz Ao Centro, TAGV, Coimbra, 22 de Outubro de 2022

Na promoção do concerto de Ambrose Akinmusire em Coimbra, a organização do Festival Jazz ao Centro escreveu que o músico "tem sido colocado, simultaneamente, ao centro e nas margens do jazz. Talvez isso se deva ao facto de estar sempre em busca de novos caminhos e, também, à sua abordagem pouco ortodoxa ao som e à composição". A mítica editora Blue Note cedo o recolheu no seu catálogo, para o qual já contribuiu com seis discos desde 2011, mas Akinmusire decidiu recentemente bater com a porta na procura, lá está, de trilhos mais arriscados e irregulares ao estatuto de um simples trompetista de jazz. Quem ocupou as cadeiras do plateia coimbrã de forma atenta rapidamente se apercebeu desse inconformismo. 

A maioria dos trechos, mesmo que mais calmos numa primeira fase, denotaram de facto uma rudeza e verdura de aparente desleixo de um quarteto clássico de jazz mas o jogo advêm precisamente do erro desse julgamento - na sua base instrumental de trompete, piano, contrabaixo e bateria, criamos o hábito para algumas convenções que, logo ali, deslizaram para uma sonoridade de hibridez mais contemporânea e de sequência inaudita e surpreendente. Quando o baterista, e que baterista, se deitou ao comprido no chão para, simplesmente, ouvir os mais de cinco minutos de solo do parceiro do contrabaixo, desplante a que nunca tínhamos assistido, a naturalidade da atitude reflecte afinal uma qualidade que o jazz nunca perdeu ou perderá - a partilha sincera de experiências tem na amizade entre músicos a essência da sua constante vibração. O quatro em cima do palco fazem-no juntos há mais de duas décadas... 

A destreza dos instrumentistas e a sua cumplicidade estiveram, por isso, em níveis de elevado calibre, num serão onde não houve excessos de virtuosismo ou necessidade de comparações a mestres de outrora que isto do jazz ao vivo nos nossos dias quer-se também alterando convenções e interferências estéticas como as notas que saíram, formidáveis e espiraladas, do seu trompete. Tangíveis, elas foram o testemunho que os tais (des)encontros de ruptura que Akinmusire assume como vitais ainda nos vão trazer muitas e boas surpresas.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

SENHORAS E SENHORES, OS ARCTIC MONKEYS...

ao vivo no Kings Theater de Nova Iorque no passado sábado, dia 22 de Setembro. 
Imagens oficiais! 

BILL CALLAHAN, O (OUTRA VEZ) DESEJADO!





















Há dias, a conversa entre amigos desaguou na falta de concertos de Bill Callahan por perto, uma dádiva programada para 2020 que a pandemia parecia ter adiado para as calendas, mas surge agora a confirmação da sua presença em Lisboa e Braga já em Abril próximo no âmbito de uma digressão europeia que arranca, precisamente, em Portugal - dia 14 no Tivoli e no dia 15, sábado, no Theatro Circo, um regresso à sala de visitas minhota catorze anos depois!

Será acompanhado por Matt Kinsey (guitarra), Emmett Kelly (baixo e vozes), Sarah Ann Phillips (piano e vozes) e Jim White (bateria), músicos com que gravou o excelente "YTILAER/REALITY" editado a semana passada. Bilhetes à venda a partir de quarta-feira.


domingo, 23 de outubro de 2022

CIRCUIT DES YEUX, Auditório de Espinho, 21 de Outubro de 2022

O mundo de Haley Fohr aka Circuit des Yeux não é muito diferente do nosso. Na morte, o isolamento e a apatia encerram-nos a todos numa teia de tristeza onde ficamos presos à espera de um esticão que nos liberte para a vida. No caso, o desaparecimento de um amigo cobriu-a dessa negritude a que chamou "-io" mas a composição, a música e as canções, foram mais uma vez as vitaminas contra o imobilismo e a negação, um trabalho quase conceptual reunido em disco o ano passado com o mesmo nome. Foi ele que motivou o esperado regresso a Espinho mas não foi só ele o causador do arrebatamento! 

Se em 2018 o espectáculo se centrou, ainda e sempre, numa escuridão provinda das trevas que dizia ter experimentado assustada, o que se traduziu num concerto mágico literalmente às escuras e de que "Black Fly" foi, e ainda é, o hino purificador, o ritual de sexta-feira passada conseguiu sobrepor essa memória pungente com a participação de um decateto de cordas da Escola Profissional de Música de Espinho em seis temas iniciais onde se retomou, como não, esse "Black Fly" permeado por canções do novo disco, uma escolha intencional, catártica e inesquecível, mas agora de luz, mesmo que ténue, acesa e iluminadora de um dramatismo saboroso e vibrante que, pegajoso, se espalhou pela plateia sem contemplações 

A morte, claro, esteve por lá a pairar nas vestes escuras e no chapéu de corvo, na própria esfinge de braço apontado em cima do banco do piano ("Sculpting the Exodus"), no ajoelhar venerado em frente às ajudantes da cerimónia ("Brainshift"), no rufar dos tambores ("Dogma"), na cimeira tonalidade da voz libertadora e cortante ("Stranger") ou no susto negro dos Bauhaus agarrada a uma lâmpada avermelhada em flash ("Double Dare"), todos momentos que agigantaram uma perfomance vencedora e a laurear o que interessa, a vida e a alegria a que um segundo encore deu emancipação e acalmia com a habitual versão de Lucinda Williams e esse pedaço de amor antigo e misterioso chamado "Fantasize the Scene". Um deslumbramento, num dos melhores concertos do ano! 

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

(RE)LIDO #108





















PREFAB SPROUT - La Vida Es Un Milagro 
de Carlos Pérez de Ziriza. Valencia: Efe Eme, 2021 
Não são muitos os livros sobre os Prefab Sprout ou o seu principal mentor, Paddy McAloon, embora a rede disponibilize variados conteúdos documentais e biográficos há muito activos - o caso do site Sproutology é bem elucidativo - tendo chegado a existir a intenção, falhada, de editar uma trilogia de volumes que se ficou pelo primeiro. Um livro em castelhano sobre o assunto é, por isso, um acaso estranho e corajoso que assenta na vontade empenhada de um apaixonado pela banda, demasiado apaixonado, o que têm os seus méritos e naturais inconvenientes. 

A insistência, o lembrete contínuo, de que McAloon é um dos melhores escritores de canções da história da música moderna, uma panaceia do próprio que nos é recordada em letras maiores num dos separadores destacado antes da cronologia, espalha-se por muitas das partes de uma narrativa que, longe de uma exaustiva biografia, se arrumou em temáticas de título metafórico - as origens, o legado, os produtores, os discos ou o negócio da música a que se acrescenta um capítulo sobre as supostas influências e confluências, os herdeiros. As suas quase trinta páginas, de A a Z, que começam com os ABBA e acabem em Wolfgang Amadeus Mozart, são uma pretensão exagerada que serve, de forma involuntária, como uma pequena distracção extra-pop sobre músicos, actores, composição ou gravação de gente diversa como Donna Summer, Ravel, Kyle Minogue ou T. Rex (!). Uma casca fina, despretensiosa e confitada, para o que se segue, o verdadeiro sumo espremido do livro... 

As duas entrevistas telefónicas que o autor fez a McAloon, conversas separadas por meses que não ultrapassaram as duas horas, foram um fortúnio raro que por si só valem o questionável esforço editorial. Em tom informal, o autor fez um exaustivo estudo prévio de todo um mundo obscurecido por problemas de saúde e uma consequente reclusão de um personagem cada vez mais enigmático mas que não se coíbe em dar respostas efectivas e a contar histórias de sabor surpreendente e até didáctico. A estratégia de mostrar serviço na preparação das perguntas e das contra-respostas, um dom jornalístico nem sempre conseguido mas que no caso se afigura bastante apurado, permite uma percepção intensa e na primeira pessoa da mente, afinal, estruturada e metódica de um compositor maior que foi propositadamente esquecido pela concorrência. 

Escolher as suas cinquenta melhores canções - "Lista de cosas imposibles" - é, assim, um desafio final a que o fã Ziriza não resiste, tecendo até os seus juízos para cada uma delas, sequência que podem ouvir por aqui. (Im)perfeito, o nosso eterno quarteto de eleição está aqui abaixo... e sem justificações a não ser que se podem ouvir seguidas num único disco!




NEAL FRANCIS, RECICLAGEM SENTIMENTAL!

Um ano depois do álbum "In Plain Sight", o norte-americano Neal Francis recolhe num novo EP uma série de sete desperdícios reciclados parcialmente inéditos - em "Sentimental Garbage" há canções que nunca ouvimos ("Don't Want You To Know" p. ex.) das sessões do referido disco numa igreja de Chicago com a ajuda de Sam Evian na mistura e duas versões gravadas para a tradicional série "Lagniappe Sessions" ("Strawberry Letter 23" de Shuggie Otis e "Collage" dos The Three Degrees) de Junho passado

A reciclagem, nunca lixo, sentimental está já em pré-encomenda em vinil reluzente e assinado... 


terça-feira, 18 de outubro de 2022

MIRAMAR, Centro Cultural de Campo, Valongo, 16 de Outubro de 2022

A presença de Peixe e Frankie Chavez num final de tarde de Domingo num espaço cultural de proximidade tinha tanto de apetecível como de inesperado. O projecto instrumental Miramar que lançaram em 2019 é, sem dúvida, uma proposta ideal para integrar o ciclo de concertos "Sons no Património" que, passada a pandemia, regressou este mês a variados locais da Área Metropolitana do Porto. 

Abrangente o suficiente e para todas as idades, as guitarras que partilham e entrecruzam mostram-se capazes de atrair novos públicos sem dificuldade, uma expectativa e qualidade que ao fim do primeiro dos temas logo se notou do agrado da plateia diversa e quase esgotada que, notoriamente, se estreava a ouvi-los ao vivo. 

Dando primazia a escolhas do disco deste ano ("Miramar II"), o diálogo instrumental teve como pano de fundo o habitual e lindíssimo conjunto de imagens de cromatismo antigo onde a lusitanidade das paisagens e costumes acrescentam sempre uma subtileza e narrativa harmoniosa que, mesmo assim, não nos distraiu dos acordes, das sobreposições e variações das cordas das guitarras eléctricas, acústicas ou em execução horizontal tão americana, continente para onde, não poucas vezes, fomos levados pelo encanto do espectro sonoro. 

É bem portuguesa, contudo, a eficácia com que esta música nos transporta do mar para a montanha, da cidade para o campo, do frio para o calor e a que a guitarra portuguesa, tão fadista sem o ser (magnífica a "Lisboa 2020"), acrescentou sensibilidade e tradição renovada. Estes Miramar são, por isso e desde logo, um património tão luminoso e moderno de que nos devemos todos de orgulhar. 

LEE FIELDS, UM DISCO E UM FILME!

Apesar de já no passado terem existido ligações esporádicas à Daptone Recording Co., o primeiro álbum oficial de Lee Fields na editora independente de Brooklyn verá a luz do dia na próxima semana sob o título de "Sentimental Fool", um trabalho que no início do corrente ano recebeu produção do próprio Bosco Mann (Gabriel Roth), fundador da já clássica casa de discos. Aqui ficam dois dos doze temas então registados.


 

Entretanto, tem estreia marcada para o início de Novembro em vários festivais internacionais o filme "Lee Fields - Faithful Man" dirigido por Jessamyn Ansary e Joyce Mishaan que traça a história e as vicissitudes de uma verdadeira lenda viva que desde os anos setenta se lançou sem rodeios no mundo da música soul e funk, um percurso com muitos altos e baixos que a chegada do disco-sound haveria de fazer esquecer. Bastou, no entanto, um telefonema para que tudo mudasse... Só falta mesmo o concerto por perto de uma digressão europeia que começa no final de Janeiro mas (ainda) sem aproximações ibéricas.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

DUETOS IMPROVÁVEIS #266

METRONOMY & KATY J PEARSON
Love Factory (Metronomy)
Álbum "Small World (Special Edition)"
Novembro de 2022

PANDA BEAR & SONIC BOOM, M.Ou.Co., Porto, 14 de Outubro de 2022

A amizade de Noah Lennox aka Panda Bear e Peter Kember aka Sonic Boom é já longínqua e hoje coincidente no país de residência, isto é, Portugal. As colaborações foram ao longo dos anos de variada intensidade e feitio mas só atingiu uma verdadeira consistência com a edição recente do álbum "Reset" onde se revisitam, a meias, as sonoridades pop dos anos sessenta, paixão partilhada e assumida por ambos. Nessa selecção de canções de boa onda, o mais importante acabou por ser sempre as vozes, os seus arranjos e nuances e foi delas que o duo se serviu como ponto de partida para a reinvenção compositora de resultado marcante. 

Ao vivo, sem instrumentos ou outras ajudas, a transposição do disco serviu-se dos samples e restantes loops mas as tais vozes e algumas palmas rítmicas fizeram-se notar com uma clareza e sucesso radiante, seguindo o alinhamento original que se iniciou com o empolgante "Gettin'to the Point" e terminou em apoteose com "Everything’s Been Leading To This", um festim imersivo e caleidoscópico que submergiu a plateia bem composta e interessada. Lá pelo meio, dois dos melhores pedaços da ementa - "Danger" e "Livin’ in the After" - sequência libertadora e super-pop a que a animação gráfica de fundo acrescentou eficácia e fantasia, um jogo cénico recortado a preceito e de efeito inteligente. 

Para o encore, foram eleitos dois temas de cada um dos músicos, peças mais antigas mas, ainda assim, complementares e fortalecedoras de uma vibração estética arrojada que se entranhou de forma multissensorial e intoxicante - um "Bros", já com mais de quinze anos, haveria de soar como novo para culminar um concerto de eficácia e tensão contínua. Boom!

sábado, 15 de outubro de 2022

UAUU #661

DRUGDEALER, O VÍCIO DO GROOVE!






















Ficamos a conhecer em Julho o primeiro dos novos temas de Michael Collins aka Drugdealer de nome "Madison", mais um arejado momento vintage que faz parte do álbum "Hiding In Plain Sight", o terceiro de originais a sair em breve. Confirma-se uma nova atitude e gosto pela cantoria, isto é, pela colocação e tom da voz treinada e afinada com a ajuda de Annette Peacock mas partilhada com alguns amigos como Tim Presley (White Fence) que surgirá em "Baby" e da menina folky Kate Bollinger que dá uma ajuda em "Pictures of You", tema que agora se conhece. Um regresso viciante...


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

MÁRIO BARREIROS, “Dois Quartetos sobre o Mar", Casa da Música, Porto, 11 de Outubro de 2022





















Era já remota a nossa aspiração em ver Mário Barreiros comandar em palco um bom grupo de músicos de jazz, sapiência que os anos de experiência em estúdio ou em salas de aula foi fortalecendo sem pressas. O disco editado este ano "Dois Quartetos Sobre o Mar" é o sinal dessa ponderação e maturidade que reuniu para a ocasião os parceiros certos para completar composições inéditas de duas ondulações impulsionadas pela sua bateria - a contemplativa com o quarteto "Pacífico" e a exploratória com um outro quarteto, o "Abissal". 

A reunião destes sete músicos de uma só vez afigurava-se rara mas, acima de tudo, desafiante para uma plateia que ocupou um pouco mais de metade das cadeiras, uma imensidão desnecessária que talvez a sala mais confortável e acolhedora do piso de cima se prestasse a um melhor desempenho. Na primeira parte, a frieza consequente demorou a dissipar-se com o quarteto "Pacífico" a tocar os quatro temas iniciais do referido disco e onde o saxofone de Ricardo Toscano se mostrou o mais irrequieto e descontraído de uma sequência demasiado cumpridora dos originais. Nada a dizer da sua irrepreensibilidade, mas isto do jazz ao vivo nem sempre é formalidade. 

O concerto alterou-se depois, cresceu, com a entrada do quarteto "Abissal" para se juntar numa primeira vez aos restantes pacíficos, um momento intenso na inusitada e gostosa sonoridade conjunta que, suspiramos, se podia ter prolongado bem mais um pouco. Quando, novamente, todos se reuniram para uma fenomenal recreação final de um original de Coltrane, um dos muitos heróis de Barreiros, as palmas obtidas bem que podiam se ter estendido fortes no apelo a um encore que merecia ter acontecido - um "podemos ficar até às tantas" ainda foi atirado nos agradecimentos - mas a maioria pareceu já satisfeita com o instrumental apresentado e a sua inquestionável qualidade. Faltou, mesmo assim, um mergulho refrescante no mar do improviso e da surpresa..

THOMAS FEINER, NAVEGAR É PRECISO!

Como é habitual, ao chegar ao último trimestre de cada ano, do palácio encantado de Thomas Feiner ecoam hinos inesperados e sublimes capazes de embalar sereias e acalmar mares convulsos, o que no caso se afigura literal com a versão de "The Ship Song" que Nick Cave escreveu em 1990 para o álbum "The Good Son"... 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

WILCO, PATRIMÓNIO NATURAL!

Os Wilco passaram ao vivo o mês passado pelo Red Rocks Amphitheatre, palco situado no parque natural com o mesmo nome no Colorado americano, e foram convidados a registar uma sessão comemorativa dos vinte cinco anos a tocar no local. Para o efeito, escolheram três temas do último álbum "Cruel Country", a saber, “Falling Apart (Right Now)”, "Hints" e “Tired Of Taking It Out On You”. Dez minutos de classe, num registo de proximidade que caía bem em qualquer jardim à beira-mar plantado...

BIBIO, TEMPO DE CELEBRAÇÃO!





















Para Stephen James Wilkinson aka Bibio o décimo álbum de uma carreira iniciada em 2005 é certamente um marco. Chamou-lhe "BIB10", sai para a semana na inevitável Warp Records e pretende associar à tradicional onda de melancolia e suavidade dos temas, distinção preponderante dos discos ou compilações anteriores, alguma agitação e alegria festiva de forma a motivar a dança e o divertimento. O dourado da imagem de capa é, por isso, o dress code devido para a celebração.   


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

AZYMUTH, Auditório de Espinho, 8 de Outubro de 2022

O trio brasileiro Azymuth funciona, bombando, há quase cinquenta anos pelo gosto e virtude numa prática que se assumiu como jazz mas onde o funk, o disco e alguma electrónica se mesclam num género de swing tropical. A energia da sua música não tem, por isso, qualquer prazo de validade ou recinto apropriado para alargar sorrisos e multiplicar prazeres, um espírito que ao vivo é imediatamente transmissível e contagiante tal como foi rapidamente notório no auditório espinhense. 

Mesmo que o som da bateria de Ivan Conti nos tenha parecido um pouco alto e demasiado "chapado", o serão foi de entusiasmo contido na primeira meia hora mas que acabaria depois por soltar-se muito à custa da destreza das teclas incríveis de Kiko Continentino, da perícia do mestre "Mamão" Conti e do baixo de Moyses Dos Santos, um contributo recente que permitiu a substituição do baixista fundador Alex Malheiros, ausente por doença desta digressão. 

O alinhamento deu alguma primazia ao último disco "Fenix" mas alargou-se a outras das tantas pedradas que a banda foi gravando desde 1973 ao lado do amigo Marcos Valle - com quem estiveram em digressão por Lisboa em 2018 (por sinal, Valle toca no Porto no final do corrente mês!) - e outros cúmplices interessados nesta fusão imparável de ritmo e cosmometria. A inebriante versão de "500 Miles High" de Chick Corea que apresentaram e gravaram é a prova mais séria dessa levitação... 

O balanço consequente só perto do final haveria de merecer alguma dança colectiva, que foi pena não se ter mantido e espalhado, mas o triunfo destes boogie-cariocas renascidos, entoado em coro colectivo e ovação de pé, teria em "Jazz Carnival" o merecido epílogo incontido de vibração, diríamos, azimutal e bem medida. Valeu! 

CAMPAINHA 16!











Seis mil cento e sessenta e duas mensagens depois, a chafarica Campainha Eléctrica faz hoje dezasseis anos, uma idade de aparente juventude mas de quase velhice no que aos blogs diz respeito. 

Confessamos que a motivação e vigor não são os mesmos nem podiam ser, mas cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas despertas a vibrações e tremidos que só a música (ainda) alcança...

3x20 OUTUBRO

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

BONNY LIGHT HORSEMAN, EFEITO DE EXTENSÃO!





















Anunciado em Junho passado, o segundo longa duração "Rolling Golden Holy" dos Bonny Light Horseman tem no dia de hoje lançamento oficial através da 37d03d, colectivo comandado por Aaron e Bryce Dressner e Justin Vernon mas onde cabem mais de outros cem artistas. 

O disco prolonga o efeito de partilha entre Anaïs Mitchell, Eric D. Johnson (Fruitbats) e Josh Kaufman, que assumiu a produção das onze canções escritas e concretizadas em Nova Iorque pelo trio com a ajuda do baterista JT Bates e do baixista e também saxofonista Mike Lewis. 

A sonoridade de folk moderna dá continuidade e extensão assumida ao elogiado e homónimo disco de estreia de 2020 e tem já tournée de apresentação em curso no continente americano mas que chegará ao Reino Unido em Fevereiro próximo.


OS GIRA-DISCOS EM LIVRO!





















Ao interesse e redescoberta pelos discos de vinil da última década está, obviamente, associada uma procura pelos aparelhos que permitem a sua reprodução, uma sonoridade única, inimitável e eterna que motivou um reflorescimento na construção e reinvenção dos chamados gira-discos mas que não alterou o seu clássico funcionamento baseado num prato de diferentes rotações e uma agulha que corre os sulcos do disco. 

Há agora um livro - "Revolution. The History of Turntable Design" - com cerca de trezentas fotografias e ilustrações que traça a evolução tecnológica e de design destes aparelhos desde os anos cinquenta do século passado até aos dias de hoje, acentuando um exame rigoroso sobre os materiais, as inovações e o seu impacto cultural pelo especialista Gideon Schwartz, autor de um outro estudo referente ao chamado HI-Fi editado já pela mesma editora, a inglesa Phaidon. Nesta história não deverá faltar, certamente, o ainda apetecível e icónico Technics SL-1200 que festejou cinquenta anos de vida em Abril passado... Uma obra-prima!

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

PHOENIX, SÉTIMA CRIAÇÃO!





















Respeitando a grandeza cool das canções dos primeiros álbuns, vêm de longe um afecto pelos franceses Phoenix que nem sempre se mostrou activo mas a que fomos dando ouvidos frequentes. Desilusões, como a do último "Ti Amo" de 2017, condicionaram uma progressiva distracção e indiferença a visitas para concertos ao vivo que, diga-se, nunca subiram ao Norte do país. 

Mantemos, assim, a banda sob vigilância passiva à espera de movimentos consistentes o que parece acontecerá com "Alpha Zulu", sétimo trabalho a sair em Novembro e de que se conhecem três bons temas, um dos quais com a vibrante parceria de Ezra Koen dos Vampire Weekend. Auto-produzido durante o confinamento, as sessões de gravação tiveram como local de criação o estúdio do Museu de Artes Decorativas de Paris, instalado no complexo do Palácio do Louvre, ambiente que talvez explique a imagem da capa (acima), um pormenor trabalhado e alterado pelo habitual colaborador Pascal Teixeira do quadro "Madonna col Bambino Midiante Otto Angeli" pintado em Florença por Boticelli em 1478.

À atenção dada pela imprensa ao regresso aos discos - veja-se a entrevista ao "NME" e de que foram capa virtual há duas semanas - junta-se uma digressão elogiada e atractiva que não desdenharíamos ver incluída lá para Junho no Primavera Sound portuense, palco e evento bem à medida dos de Versailles. 



quarta-feira, 5 de outubro de 2022

CIRCUIT DES YEUX, POEMAS SOLARES!





















Três canções que Circuit des Yeux incluiu no excelente álbum "-Io" editado em 2021 receberam um tratamento experimental a cargo de Claire Rousay, um género de curadora de ambiente de assinalável expansão cinemática com sede em Santo António, Texas. 

O encontro das duas artistas mereceu entrevista, melhor, conversa de dez minutos em ambiente surreal e descontraído filmado em video e agora disponível para aferição e um EP a sair no final do mês a que chamou "Sunset Poem", altura em que Haley Fohr aka Circuit des Yeux terá passagem tripla pelo país, uma tournée europeia que termina em Espinho no dia 21, sexta-feira. Aí fará, provavelmente, a apresentação da surpreendente versão de "Double Dare" dos Bauhaus saída em Setembro...



FAZ HOJE (16) ANOS #84





















ARCHIE SHEPP & DAR GNAWA, Casa da Música, Porto, 5 de Outubro de 2006 
. Público, por Carlos Romero, 8 de Outubro de 2006, p. 34

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

WILL SAMSON AO PIANO!





















O britânico Will Samson, que recentemente passou pelo Porto para um excelente concerto, ganhou finalmente coragem e decidiu registar "Arpy" e "A Certain Surprise", dois temas do álbum deste ano "Active Imagination", somente ao piano e voz. 

As versões "Piano Version" foram, entretanto, apresentadas na Rádio Radar lisboeta a semana passada entre conversa e entrevistas, emissora que tem Samson como convidado da rubrica "Roleta Russa" ao longo destes dias.

sábado, 1 de outubro de 2022

UAUU #659

ANNA B SAVAGE, CANÇÃO FANTASMA!





















O ano passado teve em "A Common True" uma excelente surpresa a cargo de Anna B Savage. Houve até visita a Guimarães, um concerto a que falhamos e onde, dizem, a britânica confirmou em palco todas as virtudes das suas canções. Um sacrilégio!

Sinaliza-se agora mais uma em formato single de nome "The Ghost", um esbaforido clamor quanto à crueldade do amor e um assumido desassombro referente a um ex-parceiro que não se consegue esquecer apesar do incómodo e assédio... O video tem direcção e argumento da própria. Prometedor!