domingo, 30 de junho de 2024

JOAN AS POLICE WOMAN, SEXY!





















Depois do excelente "The Solution Is Restless" de 2021 que mereceu atribulada apresentação ao vivo no ano seguinte, lady Joan Wasser aka Joan As Police Woman regressa aos discos de originais já em Setembro com "Lemons, Limes And Orchids", doze temas nocturnos sobre amor e perda e um acerto de contas com a nossa desorientação colectiva. 

Nas suas palavras, o décimo longa duração foi registado à moda antiga, isto é, com a Wasser a cantar ao mesmo tempo que os músicos tocavam, banda em que alinhou Meshell Ndegeocello no baixo a uma série de músicos habituados a tocar com Alanis Morisette, St. Vincent ou Liam Gallanger. Esta primazia da voz e segundo uma amiga, tornou o álbum no mais sexy de todos! Nada como o confirmar com o primeiro single "Long For Ruin"...

sexta-feira, 28 de junho de 2024

WILCO, A ESCALDAR!












Anunciado o mês passado, só agora se torna possível ouvir temas de um novo Ep dos Wilco chamado "Hot Sun Coll Shround" saído digitalmente hoje mas que tem edição em vinil de 10" vendida em exclusivo na edição deste ano Solid Ground Festival, evento que ocupa o Museum of Contemporary Art de Mssachusetts até ao próximo Domingo numa organização da própria banda. Os compradores poderão, eles próprios, desenhar a capa do disco usando autocolantes, contidos na embalagem, pertencentes à série artística "Bad Fruit" da autoria de Kathleen Ryan. A melhor proposta, sujeita a concurso, será utilizada como capa oficial das futuras edições

Os seis temas novos, dois deles instrumentais, são, nas palavras de Jeff Tweedy, "do mais agressivo e angular" que a banda alguma vez gravou mas há baladas - "Say You Love Me" ou "Ice Cream" - destinadas a prolongar o sabor do gelado de um verão que se adivinha escaldante.



terça-feira, 25 de junho de 2024

EMILIANA TORRINI, POP FLORIDA!





















Se sobre a presença em palcos portugueses de Emiliani Torrini já lá vão quinze anos, quanto aos álbuns de originais mais de uma década também já passou sobre "Tookha" de 2013. Os hiatos foram o ano passado encurtados com "Racing the Storm" ao lado do colectivo Colorist Orchestra mas um sétimo longa duração em nome próprio saiu este mês pela Grönland alemã com o título de "Miss Flower". 

O disco teve como fonte inspiradora um acaso - aquando de uma visita à amiga inglesa Zoe enlutado pela morte da mãe, foi descoberta uma caixa de cartas da falecida Geraldine Flower, mulher que recebeu nove propostas de casamento, todas rejeitadas, e teve uma intensa correspondência com um homem de nome Reggie. Refugiada no apartamento londrino da amiga, Torrini tratou de se afundar nas pessoas, histórias e acontecimentos aí referidos ou relatados para compor dez novas canções de imediata sedução, seja pelo sotaque nórdico do seu inglês seja pelos arranjos pop-up com que compôs o ramalhete com a colaboração habitual de Simon Byrt, marido de Zoe. 

Para a capa do disco foi escolhida uma imagem antiga de Geraldine Flower sentada num café ao lado de um homem mas que foi trabalhada e editada de forma a que, no lugar do pretendente masculino, fosse colocada a própria Torrini. Um regresso florescido que, por isso, se saúda, que terá digressão europeia lá para o Outono e onde estão prometidas, a três dimensões, mais revelações de um legado misterioso e inacabado. 



quinta-feira, 20 de junho de 2024

KING KRULE, SHHHHHH!





















O álbum "Space Heavy" de King Krule, que foi lançado há cerca de um ano, continua activo no seu notável experimentalismo e profundidade. Na digressão correspondente chamada "SHHHHHH!", um título nada inocente, que percorreu os E.U.A. e parte de Europa em quase quarenta concertos, foram vendidos quatro coloridos flexi-disc em vinil com algumas preciosidades que se tornaram verdadeiras peças de colecção

Um ano depois, a XL Recordings publica um EP com o mesmo nome onde passam a estar disponíveis os temas "Achtung”, “All Soup Now”, “Time For Slurp” e “Whaleshark”, os tais que só alguns arrebanharam e que agora passam a ter edição oficial em rodela grande ou em duas pequenas rodelas de vinil. Para um deles, Andy Marshall partilhou com Josh Renaut a realização de um video a preto e branco ao lado dos parceiros de banda e digressão, a saber, o saxofonista Ignacio Salvadores e o baixista George Bass. 




ANNA ST. LOUIS, MAIS UM REFRESCO!

Ao excelente álbum do ano passado "In The Air" de Anna St. Louis, que  já estava bem recheado com onze canções, faltava afinal mais um refresco - "Farther Away" ficou, na altura, de fora mas foi no Inverno retomada pela própria e pelo produtor Jarvis Taveniere com o intuito de a concluir e libertar...

Para o efeito, juntou-se um vibrante saxofone de Adam Schatz da banda Landlady e o resultado, que a própria classifica como algo entre os Rolling Stones, Otis Redding e Lucinda Williams e, dizemos nós, Angel Olsen, é pura classe. Será que não haverá mais sobras?   

quarta-feira, 19 de junho de 2024

NICK DRAKE 76!















Parabéns NICK!

BRANDEE YOUNGER EM ESPINHO!





















A harpa de Brandee Younger tem data marcada por perto para se fazer ouvir em toda a sua maravilhosa dimensão - dia 16 de Novembro próximo, sábado, passando na véspera pelo Capitólio lisboeta, dois concertos no âmbito do Misty Fest de 2024. Bilhetes em breve.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

KARA JACKSON, GNRation, Braga, 15 de Junho de 2024

O aclamado álbum "Why Does the Earth Give Us People to Love?" que marcou o ano passado a estreia de Kara Jackson talvez seja premonitório quanto ao que chamamos folk. Confessional, mas arriscado, íntimo, mas partilhável, nele sucedem-se uma série de canções de narração destilada na reivindicação política, no desprezo social ou na marginalização de géneros. Tudo de poética muito própria e de uma propositada nudez da guitarra que se vai afiando, pausadamente, até ao limite. 

Ao vivo, na escuridão colorida da esgotada sala minhoto, o que se esperava era isso mesmo - ouvir esses lamentos vincados pela sua voz densa e de adorno nas cordas salientes da acústica. Surpreendeu, logo a abrir, a versão de "Right, Wrong or Ready" de Karen Dalton, um género de introdução venerada para, logo de seguida, nos começar a agarrar com mais força aos originais - "No fun/party" foi, a esse nível, uma das cordas mais longas e subtis e de onde escorregou uma vulnerabilidade que se manteve latente, na sua sinceridade, até ao fim. 

Mas outras cruezas como "Rat" ou o "Dickhead Blues", momentos altos do disco, tornaram-se também magistrais sequências melódicas e visuais que a plateia, de um respeito e silêncio religiosos, absorveu em nítido e contido deleite. Uma noite de viagens entre o amor e a perda, entre a compaixão e a repulsa que são, muitas das vezes, banais mas que na profundidade desta composição e voz se afiguraram de invulgar raridade e delicado arrepio. Obrigado, minha Kara!    

UAUU #721

RESSURGEM OS LITTLE WINGS!





















O génio de Kyle Field aka Little Wings, demonstrado numa catadupa de discos em 2020, parecia ter hibernado em 2022 com a reedição melhorada de "Zephyr". Abram, contudo, as janelas para que "High on the Glade", um novo disco de festa, se faça ouvir bem alto, uma cortesia da Perpetual Doom, casa de New Hope, Pensilvânia, de matriz independente. 

São dez novos e curtos temas onde a voz inconfundível de Field se renova num género de vaudeville sarcástico registado à moda antiga, isto é, em fita analógica de quantidade limitada e, por isso, um contratempo que Field assumiu como facilitador, feliz e iluminado. Uma tarde bastou, então, para concluir a tarefa com ajuda de sete amigos músicos, sendo sua, como sempre, a fotografia da capa. Mais um excelente ressurgimento pop!



sábado, 15 de junho de 2024

SALSBURG E Cª, EMBALANDO SONHOS!

Do casamento de Nathan Salsburg com Joan Shelley nasceu, em 2021, a pequena Talya. Para embalar o sono da menina, Salsburg desenvolveu a capacidade de pegar-lhe ao colo como uma mão enquanto que, com a outra, tocava a parte de guitarra da canção "The Evidence" dos Lungfish, uma bande punk de Baltimore de que aprendeu a cantar e gostar enquanto jovem. O tema, no original de cinco minutos de duração, permitia-lhe estender o mantra repetitivo por muito mais tempo, o que durante vinte ou trinta minutos resultava num sono de Talia mais profundo e numa terapia para o próprio. No fundo, o tal efeito borboleta... 

A canção fixou-se na sua mente de forma constante e decidiu pedir aos amigo Bonnie Prince Billy/Will Oldham e Tyler Trotter para registar uma longa versão com voz de Oldham, sintetizadores de Trotter e a sua guitarra, juntando-lhe uma outra cover dos Lungfish, no caso o tema "Hear the Childre Sing". O resultado é, claro, sonhador e viciante a que se deu uma imagem de capa de Daniel Higss, vocalista dos inspiradores Lungfish.


quarta-feira, 12 de junho de 2024

JOANNA STERNBERG+PULP+THE NATIONAL, Primavera Sound Porto, 8 de Junho de 2024

 















A estreia em Portugal de Joanna Sternberg deveria ter acontecido em Novembro, em Lisboa, durante o Festival Vale Perido. Por motivos de saúde (covid 19), o concerto foi cancelado e só agora, num dia de chuva, muita chuva, a nova-iorquina compareceu num final de tarde que se tornaria mágico. Impossível não recordar Daniel Johnston no mesmo parque há onze anos atrás, a mesma sinceridade e quase inocência das canções, das letras e de uma postura destapada de truques ou filtros. Preocupada com a chuva, com a molha que muitos não se importaram de apanhar, Sternberg brincou naturalmente com a situação e ficamos a imaginar um desenho do cenário ou momento que talvez acabe por fazer para uma t-shirt ou a capa de um disco. A chuva, essa, haveria de parar substituída por uma bem mais reconfortante ternura colectiva...

 

O aviso prévio não deixava dúvidas - este concerto é um encore! Os Pulp em versão grandes êxitos voltavam à Invicta ao fim de vinte e seis anos (Imperial ao Vivo, Rockódromo das Antas, 1998), tal como Jarvis Cocker haveria de recordar, e o desfile de canções cedo começou a fazer efeito agitador. Ao longo de uma hora e meia, o vocalista e letrista mítico da banda comandou, sem máculas, contratempos ou desculpas, a imensa plateia numa lição pop exemplar que teve em "Disco 2000" e "Do You Remember the First Time?" dois dos momentos mais esperados e celebrados. Assusta a eficácia, sem idade, destas pérolas tão bem assentes numa imaculada destreza instrumental, capacidade que se manteve perfeita de princípio ao fim. Quanto a "Common People" a terminar a contenda, quando algum dia se fizer o top dos melhores momentos do festival, não temos dúvidas que ela, a canção, deverá obrigatoriamente ocupar um dos três lugares do pódio. Brutal! 


Passaram dez anos sobre a estreia dos The National no festival mas, nessa noite, apostamos as fichas na lenda Charles Bradley e abandonamos a meio o concerto principal. Não nos arrependemos. Desde aí, já os The National nos visitaram quase todos os anos, a última das vezes em Outubro passado no Pavilhão Rosa Mota. Saudades não se medem pelo tempo e, por isso, certo é  que muitos que por lá estiveram não resistiram a mais esta oportunidade, tal como era, aliás, notório em toda uma geração quarentona que tem na banda uma razão válida para viver. 
Os de Ohio sabem-no bem e deram-nos aquilo que melhor sabem fazer desde há vinte anos - canções robustas sobre a vida moderna nas suas minudências e que o professor Matt Berninger nos ensinou, desde sempre, a cantar como se se fossem nossas. E são. Alinhadas, em modo revisão da matéria dada, o concerto resultou numa monumental, e até épica, odisseia de catarse colectiva que confirmou que os The National têm dupla nacionalidade: são do mundo e são portugueses!

FRANÇOISE HARDY (1944-2024)













A vida de Françoise Hardy talvez se resuma, para muitos, a uma única canção que deu cume ao yé-yé - "Tous Les Garçons et Les Filles" foi motivo de êxito planetário mas serviu para que artista ganhasse refúgio e receio quanto à vida pública e fama. Longe dos holofotes da imprensa, permitiu-lhe continuar a gravar discos em catadupa até final dos anos oitenta, onde sempre confirmou os seus dotes de cantora e compositora. Descubram, por favor, "La Question", o décimo primeiro longa-duração editado em 1971 que é um tesouro de bossa-nova luxuosa.

No dia de hoje, faleceu uma das mulheres mais bonitas e sensuais de sempre, uma beleza que nos últimos anos nunca escondeu um drama oncológico que se adivinhava fatal. Paz!  
 

RICHARD HAWLEY EM VIGO!





















Está marcada para 21 de Setembro, Sábado, uma aparição do mago Richard Hawley em Vigo no âmbito do Festival Underfest. A sala escolhida é o Teatro Salesianos, espaço de maior intimidade que pode sinalizar que o espectáculo será, eventualmente, a solo. Bilhetes só a partir de sexta-feira, dia 14 de Junho, neste link

No concerto, um dos quatro por Espanha, estão prometidas velhas e novas canções do mais recente "In This City They Call You Love", disco onde repousam mais algumas maravilhas como esta...

segunda-feira, 10 de junho de 2024

ANDRÉ HENRIQUES+CRUMB+THIS IS THE KIT+LAMBCHOP+TROPICAL FUCK STORM+LANA DEL REY+TIRZAH, Primavera Sound Porto, 7 de Junho de 2024














A chuva, forte e arreliadora, deu tréguas a André Henriques para fixar amigos e admiradores dos Linda Martini junto do palco mais pequeno do parque. A selecção de temas mostrou-se do agrado e conhecimento de uma minoria mas foi com surpresa que vimos uns ingleses e espanhóis a bater-lhe fortes palmas perante a consistência de um reportório invertido na tradição pop e de líricas cuidadas e muito próprias. O som do oboé que percorreu a totalidade das canções foi de uma delícia surpreendente. Aprovado!

 

Sobre os Crumb... népia. Apresentados como "se gostares de Blonde Redhead, shoegaze que aquece a alma vais gostar disto", resta concluir que fomos enganados. Voz sofrível e teclas em constante desacerto, só o baixo nos pareceu no sítio certo e a resgatar alguma, muito pouca, da firmeza de uma banda aborrecida e demasiado previsível. Ao palco atribuído, de dimensão exagerada, juntou-se uma plateia imensa e distraída, já em fase de apropriação de espaço para ver o desfile da princesa Lana.

 

Ver os This Is The Kit de Kate Stables e Rozi Plain no alinhamento do festival foi mesmo um milagre. São já vinte anos de um projecto criativo de raiz na folk inglesa mas que se alonga, sem contemplações, a momentos de rock alternativo que, ao vivo, foram bem notórios. Fim de tarde nebuloso, britânico, e muitos na expectativa de testemunhar uma série de canções que se mostraram de frescura assinalável e de um sossego sonoro amaciador de ouvidos corrompidos. A simpatia de Stables e companhia emaranhou-se num risco instrumental de excelência e singeleza e que, caramba, já fazia falta. Precioso!

 

Novo milagre! A versão piano voz dos Lambchop, que passou pela Casa da Música em Novembro passado, encaixou-se na perfeição no palco ideal do recinto (Super Bock) apesar do ruído de fundo vindo do lado da Circunvalação. O figurão Kurt Wagner contínua inimitável, assumindo nesta fase uma postura de gozo e desafio aos ouvintes indefectíveis que não faltaram à chamada. Entre cigarros e copos de água (?), as histórias que escreveu para muitas das canções da banda assumem agora um protagonismo hipnótico que mereceu escuta atenta e fruição deleitosa mas a que Wagner foi dando pausas, ora sentado ora circulando de mãos nos bolsos nas proximidades, salientando a vibração do grande piano de Andrew Broder. Ficará na memória a versão de "Listening (to Lambchop by my self)" dos Sun June, uma daquelas jogadas sarcásticas em que Wagner sempre foi mestre, mesmo que a voz e o rumorejar pudessem ter soado um pouco mais nivelado por alto. Seja como for, inesquecível!

 

Os Tropical Fuck Storm são isso mesmo, uma tempestade de rock experimental, algum psicadelismo e muito punk e que é de difícil alívio. Entrados em palco, seguiram-se quarenta e cinco minutos de intensidade electrizante a que não é indiferente um entrosamento de anos a fio em bandas, palcos e estúdios e que tem no vocalista Gareth Lissiard o olho de um furacão imparável. Sem tempo para frescuras, só nos restou agarrá-los pela vibração e deixar-nos arrastar, tormenta fora, até ao final revoltoso. Contudo, uma acalmia espiritual aproximava-se...

 

Muita gente, demasiada gente. Muita confusão, demasiada confusão. Palco de insuficiente visão, demasiado insuficiente. Tagarelares irritantes em voz alta, demasiada tagarelares. Vendedores de cerveja ambulantes, demasiados vendedores. Seria fastidioso acrescentar os constrangimentos de um concerto de Lana Del Rey que não merecia tantas afrontas e desrespeitos. Concluir, mesmo assim, que o momento constituiu uma experiência marcante e sedutora em que, invariavelmente, se fez notar o nível extraordinário de uma voz e de um songbook duradoiro. Se há deusa na terra, o nome dela é Elisabete mas que todos veneramos como Lana, a Rainha! 

(imaginar o que seria assistir a este concerto no antigo anfiteatro principal e natural, quinhentos metros para Sul, causa ainda mais arrepios... adiante.)
 
 

Cinco anos depois, a britânica Tirzah voltou a emergir em fim de noite para arranhar, sozinha, a penumbra. Orgânico, seco, ao bater do som submerge uma intimidade e volatilidade vocal a que é preciso dar tempo e envolvência. Tripante.

3X20 JUNHO

domingo, 9 de junho de 2024

ANA LUA CAIANO+ROYEL OTIS+BLONDE REDHEAD+AMYL AND THE SNIFFERS+PJ HARVEY+MITSKI+OBONGIAYAR+AMERICAN FOOTBALL, Primavera Sound Porto, 6 de Junho de 2024

















À jovem Ana Lua Caiano tudo correu na perfeição - plateia envolvida e de braços abertos à sua música electro-popular onde os loops levam também com o bombo e o adufe como em mais nenhuma parte do mundo. Na construção de uma receita de raízes autóctones. é a sua auto-suficiência que surpreende pelo risco, pelo inusitado e pela novidade. Quase envergonhada com o tamanho do apoio e do suporte, não deverá ser difícil prever que esta lua vai crescer, rapidamente, até à lua cheia e brilhante!   


De fenómeno do instagram para um palco principal de festival grande, aos Royel Otis também não faltou sorte. Com um público fronteiro já bem conhecedor das canções, a frescura deste indie pop australiano, descontraído e em jeito de boas vindas, espalhou-se colina acima e abaixo de forma festiva e dançarina. Não faltou a cover de "Murder on the Dancefloor", a tal que os catapultou nas redes e na rodagem de palcos, a motivar alargada pista de dança relvada. Podemos não ouvir mais falar deles, certo é que, pelo menos uma vez, compareceram na hora e no local certos... Fucking lindo!


Lembramos bem os Blonde Redhead numa primeira parte dos Interpol. Já lá vão muitos anos, demasiados anos. Soube, na altura, a pouco e talvez a vinda ao Porto servisse de retoma, mesmo que imprevisível, a um fino cordão de pop sonhador engrossado pelo recente e bom disco "Sit Down for Dinner". A expectativa não saiu completamente defraudada, mas o trio formado pelos gémeos Pace e Kazu Makino não se mostrou capaz de descolar de algum anacronismo embora o alinhamento se tenha revelado fermentado por uma crescente dose de tensão e nostalgia de quantidade e qualidade suficientes. Um novo exame, em nome próprio e na penumbra de uma sala, deveria estar já marcado.


Punk rock! Dito assim e nos dias de hoje, a cartilha do género, que já foi reescrita tantas vezes, pode fazer brotar alergias e constipações inesperadas mas elas não vêm, de certeza, da Austrália. A boa vacina foi-nos dada por Amyl and the Shiffers, uma daquelas picas que provoca reacções benéficas desde que seja aplicada pela enfermeira Amy Taylor de forma mais que testada - gritos, piruetas, bocas ou provocações deste calibre nunca fizeram, nem nunca farão, mal a ninguém. Arre!


De todas as PJ Harvey a que já assistimos, e foram já uma mão cheia, a versão magnífica que pairou sobre o Parque da Cidade foi a mais sublime. Quatro músicos enormes, som perfeito, apesar de alguns estranhos constrangimentos na ligação da guitarra, e um alinhamento imparável, ajudaram e ondularam o concerto a um género de tributo involuntário à mestria e genialidade de uma artista que se eleva, pela classe, a um olimpo exclusivo. Tudo de um bom gosto, tudo de um fineza, tudo de uma imaculabilidade de apuramento inesquecível e, arriscámos, imbatível.


Da jovem Mitski de guitarra eléctrica em punho que nos visitou em 2017 no mesmo local já pouco resta. A pequena nipo-americana agigantou-se num fenómeno artístico surpreendente que se alargou a públicos jovens e jovens adultos, paixão que bem se notou na gritaria instalada a cada início ou termino das canções. Houve razões bem suficientes para o chinfrim, ora não fosse Mitski uma cantora e compositora de eleição que se estende também, pelo corpo, a uma acrobata ou performer distintas. A uma sincronia, teatralidade e até dramatismo, juntou-se um notável jogo de luzes e de truques cenográficos que fizeram do concerto um espectáculo arrojado e de misteriosa maravilha pop. Cintilante!            


Ao nigeriano Steven Umoh aka Obongiayar coube prestar alternativa ao palco principal do festival. A tarefa teve adesão considerável e Umoh aproveitou a dádiva para entrar em modo de corrupio continuo, soltando discursos e cantorias num enroquecimento talvez natural mas exagerado. Notou-se que há, por ali, ainda muito afrobeat e dark soul para diluir, nada que tenha impedido forte adesão mas uma leve sensação de incompreensão...   


A onda de emo revival tem tanto de inofensivo como de irritante. No caso dos American Football, o tamanho e curva da agitação cresceu pouco, uma dimensão mediana que alguns dos adeptos ferrenhos presentes, certamente, classificaram como suprema. A nós, novatos nestes correntes e agueiros, fez-nos boa impressão as excelentes imagens diurnas e nocturnas, em movimento lento, de uma casa branca americana que serviu de fundo do concerto, um género de distracção cenográfica que, mesmo assim, não serviu para nos levar a mergulhar de cabeça. Molhámos os pés e chegou!


quarta-feira, 5 de junho de 2024

ROBERT FORSTER, M.Ou.C.o., Porto, 3 de Junho de 2024

Passaram perto de cinco anos sobre o encontro de amigos de Robert Forster, uma noite de histórias e lembranças vivificadas por muitas canções dos The Go-Betweens ou que o próprio nunca deixou de compor a solo. Estava na hora, pois, de um novo convívio geracional, notório na idade da maioria dos presentes, os tais cinquentões que ainda não perderam a pica de sair de casa uma segunda feira à noite para ainda se divertirem a dar sentido a um conjunto de memórias de inabalável qualidade. 

O anfitrião recebeu os convidados com "Always", tema do mais recente e um pouco mais dorido disco "The Candle And The Flame", onde a doença da esposa se transformou numa prova de amor de chama eterna, mas não demorou a que pérolas mais antigas se fizessem notar - "Spring Rain", "Darlinghurst Nights" ou o tocante "Dive for Your Memory" haveriam de ir pontuando o serão com um sibilino soletrar colectivo das líricas, uma prova da eficácia com que Forster conta histórias, acentua lamentos ou confessa perdições. A inata capacidade para alinhar as palavras ou versos continua imparável, como o provaram novos temas de acentuado brilho como "I Don't do Drugs, I do Time", "Tender Years" ou a maravilha "Life Has Turned the Page". 

O apogeu, como sempre, estava reservado para a trilogia inevitável "Here Comes the City" x "I'm Allright" x "Surfing Magazines" sem sequer sair do palco, um género de encore sem encore mas que haveria mesmo por acontecer perante o aplauso dos amigos ainda insatisfeitos - "Rock 'N' Roll Friend" serviria, pois, como despedida mas também como renovado abraço forte de amizade. 

Confirmado, mais uma vez, o domínio da guitarra e das suas investidas, mesmo que o grau de eficácia se tenha notado menos efusivo e brincalhão, talvez explicado por um cansaço indisfarçável de uma digressão já com um mês e que só terminaria no dia de ontem. Entre comboios, hotéis e preocupações, há, mesmo assim, sempre tempo para relatos diários de acutilância imperdível. A noite portuense, segundo o próprio, foi cinco estrelas... galicia. Cheers, amigo, ainda e sempre, rock' 'n' roll!

HURRAY FOR THE RIFF RAFF, UM PERIGO!

Já faz alguns anos que não dispensamos as canções e os discos de Alynda Segarra aka Hurray for the Riff Raff. Em Fevereiro saiu mais um conjunto notável traduzido no nono álbum de originais "The Past Is Still Alive", um projecto de intimidade assumida agravada pela morte recente do pai. 

Não têm sido difícil escolher temas, qual deles o melhor, para a nossa lista mensal mas o que fará parte da dose de Junho é verdadeiramente arrepiante... Chama-se "The World Is Dangerous", tem contribuição vocal do amigo Conor Oberst, mentor dos Bright Eyes, e é impossível não carregar no repeat sempre que chega a sua vez na entrada da lista. Um perigo! 

A menina Alynda estará em Paredes de Coura dia 17 de Agosto próximo. Hurray... for the riff raff!

terça-feira, 4 de junho de 2024

ANVIL FX + USTAD NOOR BAKHSH + CZN, Serralves em Festa, Porto, 2 de Junho de 2024

A incursão de última hora e de rompante pela festa de Serralves resultou, mesmo assim, em três bons momentos ao vivo. 

No palco do ténis a banda brasileira Anvil Fx agitava já a pequena plateia que não se resguardava do muito calor. A corrente vinda do palco foi de forte intensidade, um género de transe sintetizado e contínuo de electrónica de fim de noite ou início de madrugada nada habituada a luz solar e a multi-gerações. Para graúdos e e infantis e sem restrições, o caudal dançante e agitador foi interposto por letras minimalistas e inflamadas de feição feminista, política ou contestatária, um agitprop de raiz na new wave, e até no punk, mas em dose industrial. Boa surpresa!

 

O mestre do benju balúchi Ustad Noor Bakhsh toca um velho benju elétrico que aparente ter caducado na idade mas que, executado por quem sabe, se apresenta mais que válido. O instrumento mistura a vibração de cordas por um género de teclado de máquina de escrever de sonoridade inebriante que, ligado a um amplificador, preencheu o imenso prado da quinta de Serralves de um exotismo irresistível. À canícula, mais que suportável para aqueles músicos aquela hora do dia, foi ganhando resistência um cada vez maior número de curiosos ouvintes interessados numa fruição enraizada lá para o Paquistão e Afeganistão mas que, e cada vez mais, não têm país ou nacionalidade. Ao contrário da última aparição na Casa da Música, marcada por um dia chuvoso de Novembro passado, o feitiço sonoro como que fez esquecer a solheira para nos elevar, ao longo de setenta minutos, a um cume ameno e fresco de uma qualquer montanha... sem nuvens. Inspirador!

 

O projecto de percussão CZN une as batidas de Valentina Magaletti e João Filipe Pais. São duas baterias e outros apetrechos criados de raiz que, em simultâneo, se enterlaçam em sonoridades hipnóticas, ora lentas ora rápidas, para criarem momentos dançantes ou de baloiço dinâmico que receberam forte aplauso de aprovação. Para descobrir e colorir...